IRC – retenção na fonte
PT28502 - março 2025
Determinada sociedade anónima, com os CAE 6811 e 68200, tem sete acionistas, todos familiares (mãe, filhos e netos), com o capital social distribuído da seguinte forma: 4 x 16,66% + 3 x 5,56%.
A faturação provém de rendimentos prediais (arrendamento de prédios próprios contabilizados como propriedades de investimento).
Pode aplicar-se a dispensa de retenção na fonte de IRC no recebimento das rendas, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 97.º do CIRC? Está sujeito ao regime da transparência fiscal?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal da obtenção de rendimentos prediais por um sujeito passivo de IRC.
Em termos fiscais, o regime de transparência fiscal, que está previsto no artigo 6.º do Código do IRC (CIRC) e que é de aplicação obrigatória, carateriza-se pelo facto de o rendimento apurado por uma entidade não ser tributado na sua esfera individual, mas na esfera dos seus sócios.
O enquadramento no regime de transparência fiscal é efetuado em cada período de tributação, por cumprimento das referidas condições, não sendo um regime que se efetue qualquer indicação no cadastro, no momento da submissão da declaração início/alterações de atividade, sendo meramente indicado através da submissão da declaração de rendimentos modelo 22.
De notar que, para ficar excluída do regime, basta não preencher algum dos critérios de enquadramento até ao final do ano.
Uma das intenções subjacentes à existência de um regime de transparência fiscal é a de evitar que a forma de tributação condicione o modo de estabelecimento dos agentes económicos.
Consequentemente, exercer uma atividade profissional em nome individual ou exercer essa mesma atividade profissional através de uma pessoa coletiva deveria ser inócuo do ponto de vista da tributação.
Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime de transparência fiscal seguem o disposto no CIRC para as entidades que exercem, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
Assim, para a determinação da matéria coletável, ao resultado contabilístico do período, obtido pela diferença entre os rendimentos e ganhos e os gastos e perdas, serão adicionadas e subtraídas, respetivamente, as variações patrimoniais positivas e negativas não refletidas naquele resultado, e demais correções resultantes do Código, determinando-se assim o resultado tributável (lucro tributável ou prejuízo fiscal).
Ao resultado tributável apurado pela entidade serão deduzidos os prejuízos fiscais nas condições previstas no artigo 52.º do CIRC e eventuais benefícios fiscais que operem por dedução ao resultado tributável, obtendo-se assim a matéria coletável.
A imputação da matéria coletável aos sócios será feita de acordo com o que estiver previsto para esse efeito no ato constitutivo da entidade ou, na falta de elementos, em partes iguais. Não releva o facto de terem, ou não, sido distribuídos lucros. Ou seja, a matéria coletável é imputada aos sócios independentemente de a estes ter sido paga ou colocada à disposição qualquer importância.
O regime de transparência fiscal abrange as designadas «sociedades de simples administração de bens» [alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRC]
A este respeito, e de acordo com a referida alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRC, o regime da transparência fiscal é aplicável às «sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.»
Por sua vez, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC é definido o que se entende por sociedade de simples administração de bens, sendo referido que será incluída nesta definição «a sociedade que limita a sua atividade à administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a habitação dos seus sócios, bem como aquela que conjuntamente exerça outras atividades e cujos rendimentos relativos a esses bens, valores ou prédios atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50 por cento da média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus rendimentos.»
No caso em concreto, cumpre ainda ter presente a alínea c) do citado n.º 4, nos termos da qual se define o que é considerado como um grupo familiar, a qual passamos a transcrever:
«c) Grupo familiar - o grupo constituído por pessoas unidas por vínculo conjugal ou de adoção e bem assim de parentesco ou afinidade na linha reta ou colateral até ao 4.º grau, inclusive.»
Relativamente ao possível enquadramento dos rendimentos obtidos, para efeitos da classificação da sociedade como de simples administração de bens referimos o processo 2018 000144, sancionado por despacho, de 26 de janeiro de 2018, da diretora de serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, com o assunto «Rendimentos a considerar como reserva ou fruição na administração de bens», o qual refere o seguinte:
«A questão em apreço consiste em saber quais as atividades que se consideram como de reserva ou fruição numa sociedade de simples administração de bens para efeitos do regime da transparência fiscal, bem como, quais os rendimentos a considerar para efeitos de aferir a média de 50 por cento dos últimos três anos da totalidade dos rendimentos da sociedade, no sentido de se apurar se está ao não sujeita àquele regime.
1. Para que uma sociedade se considere como de simples administração de bens, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, é necessário que pratique atos de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição, entendendo-se como tal aqueles que digam respeito, entre outros, a contratos de locação ou arrendamento desses bens, a sua manutenção, reparação, ou realização de benfeitorias.
2. Não podem ser considerados como provenientes de bens mantidos como reserva ou para fruição os rendimentos provenientes de rendas recebidas de subarrendamentos de imóveis que a empresa tomou de arrendamento a terceiros, isto é, imóveis que não façam parte do património da sociedade.
Deste modo, apenas as rendas recebidas de imóveis próprios, arrendados no âmbito da atividade da sociedade, integram o conceito de rendimentos provenientes de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição.
3. Para efeitos de aferir a média de 50 por cento dos últimos três anos da totalidade dos rendimentos da sociedade, no sentido de se apurar se está ao não sujeita ao regime da transparência fiscal, previsto no artigo 6.º do CIRC, verifica-se que:
a) Relativamente aos rendimentos provenientes da venda de imóveis adquiridos para revenda no âmbito da atividade da sociedade, o respetivo rendimento é o valor da venda do imóvel (preço), dado tratar-se de inventários, não sendo estes rendimentos considerados como provenientes da atividade de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição.
b) No que concerne a juros de aplicações financeiras (obrigações), deve ser considerada a totalidade dos rendimentos recebidos a título de juros [alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC], não sendo estes rendimentos considerados como provenientes da atividade de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição.
c) No que diz respeito às mais-valias de aplicações financeiras (obrigações), incluindo os juros decorridos, nos termos do artigo 46.º e seguintes do CIRC, não são igualmente considerados como provenientes da atividade de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição.»
Face ao exposto, para que determinada entidade seja qualificada como uma sociedade de simples administração de bens, enquadrável na alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, têm de ser observados determinados requisitos, a saber:
Requisito de natureza orgânica:
- A maioria do capital social tem de pertencer, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar; ou
- O capital social tem de pertencer, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles pode ser pessoa coletiva de direito público.
Requisito de natureza substantiva:
- A atividade tem de se limitar à administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a habitação dos seus sócios.
- Podem ainda ser exercidas outras atividades em conjunto com aquelas, desde que os proveitos relativos a esses bens, valores ou prédios atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50 por cento da média, durante o mesmo período, da totalidade dos proveitos da sociedade.
Assim, haverá que avaliar, em primeiro lugar, se a sociedade em causa cumpre com o requisito de natureza orgânica, o que entendemos ser o caso, pois é referido que estamos perante uma sociedade detida por um grupo familiar. Ou seja, o limiar de cinco sócios não será tido em consideração quando todos os acionistas pertencem a um grupo familiar, o que entendemos ser o caso, na medida em que é referido que a sociedade é detida por «sete acionistas, todos familiares (mãe, filhos e netos).»
Recorde-se que, para que a sociedade seja considerada como de simples administração de bens e, por consequência, inserida no regime da transparência fiscal, a sua estrutura de capital terá de ser constituída:
- Durante mais de 183 dias do exercício social, por um grupo familiar; ou
- Em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.
Vejamos agora o requisito de natureza substantiva, que se caracteriza por a sociedade limitar a sua atividade à administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a habitação dos seus sócios.
De facto, nada impede que uma sociedade de simples administração de bens exerça outras atividades em conjunto com as referidas no parágrafo anterior, desde que, as atividades de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50 por cento da média, durante o mesmo período, da totalidade dos proveitos da sociedade.
No entanto, na exposição é referido que a totalidade dos rendimentos auferidos pela sociedade são do arrendamento de bens imobiliários da sua propriedade.
Verificando-se que a sociedade apenas obteve rendimentos do arrendamento de bens imobiliários, somos do entendimento que, o requisito de natureza substantiva encontrar-se-á, imediatamente, cumprido.
A disposição anteriormente referida relativa ao facto de ter de se verificar que as atividades de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição tenham atingido, na média dos últimos três anos, mais de 50 por cento da média, durante o mesmo período, da totalidade dos proveitos da sociedade, apenas é aplicável quando a sociedade aufira rendimentos de atividades de administração de bens e de outras atividades, em conjunto, no período de tributação em análise. Ou seja, se a sociedade apenas obtiver rendimentos do arrendamento dos imóveis, não se terá de avaliar se esta obtém rendimentos, em maior parte (carácter da predominância), de atividades de simples administração de bens, encontrando-se, desde logo, cumprido o requisito de natureza substantiva.
Neste sentido, obtendo a sociedade apenas rendimentos de uma única atividade (arrendamento de imóveis) e sendo detida por um grupo familiar, entendemos que os dois requisitos se encontram cumpridos (orgânico e substantivo), pelo que a sociedade ficará abrangida pelo regime da transparência fiscal.
Sobre este assunto, veja-se, por exemplo, o Acórdão (07849/14, de 18-02-2016) do Tribunal Central Administrativo do Sul.
Poderá também consultar o guia prático da Ordem a respeito do tema em análise, disponível nesta ligação.
A respeito deste tema, sugerimos ainda a leitura dos artigos abaixo identificados, dos Consultores da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) Márcio Pereira e Daniela Cunha, sob o tema «Sociedades de simples administração de bens - transparência fiscal» e «Transparência fiscal - A tributação do rendimento das sociedades na esfera dos sócios».
No que respeita à retenção na fonte, determina a alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC que «[o] IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: (...)
c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade; (...).» (itálico nosso)
Por sua vez, a alínea g) do n.º 1 do artigo 97.º do CIRC estabelece que «[n]ão existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, quando este tenha a natureza de imposto por conta, nos seguintes casos: (...)
g) Rendimentos prediais referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º, quando obtidos por sociedades que tenham por objeto a gestão de imóveis próprios e não se encontrem sujeitas ao regime de transparência fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º, e, bem assim, quando obtidos por fundos de investimento imobiliários; (...).»
Tratando-se o beneficiário do rendimento predial de um sujeito passivo de IRC, este encontra-se sujeito a retenção na fonte conforme alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC. Contudo, caso este sujeito passivo tenha por objeto a gestão de imóveis próprios e não esteja enquadrado no regime de transparência fiscal, então beneficia de dispensa de retenção na fonte conforme alínea g) do n.º 1 do artigo 97.º do CIRC.
Ou seja, são condições para a referida dispensa de retenção na fonte de IRC dos rendimentos prediais:
- Estes serem obtidos por sociedades que tenham por objeto social a gestão de imóveis próprios;
- A sociedade não se encontrar sujeita ao regime de transparência fiscal nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRC;
- E seja, efetivamente, essa a atividade exercida pela entidade.
Cumpre ainda notar que a dispensa de retenção na fonte prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 97.º do CIRC só é aplicável se a atividade de gestão de imóveis próprios for exercida a título principal. De facto, ainda que a norma legal não preveja expressamente esta condição, é este o entendimento vertido no despacho vinculativo ao processo n.º 2017 2431 - PIV 12336, sancionado por despacho de 2017-11-22, da diretora de serviços do IRC. Podendo ser aferida esta situação, ano a ano, consoante os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo.
Sugerimos também leitura da informação vinculativa ao processo n.º 2017 000717, sancionado por despacho, de 28 de julho de 2017, da subdiretora-geral do IR, que também reforça o entendimento da Autoridade Tributária de que dispensa de retenção na fonte apenas se aplica, nas situações em que podem ser exercidas outras atividades, quando a atividade de gestão de imóveis próprios seja a atividade predominante e que seja exercida com caráter regular, e não meramente esporádico.
Face ao exposto, e no caso em concreto, estando perante uma entidade abrangida pelo regime da transparência fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRC, entendemos que a dispensa prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 97.º do CIRC não poderá ser aplicável.
Assim, os rendimentos prediais auferidos estarão sujeitos a retenção na fonte à taxa de 25 por cento, nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 94.º do CIRC.