IVA - faturação
PT28882 – outubro de 2025
Determinada entidade recebe documentos de faturação e, nos itens de faturação, mencionam «de acordo com o orçamento n.º XXXX» ou «de acordo com o auto de obra n.º XXXX».
Verificou-se que os orçamentos e/ou autos não têm ATCUD, sendo que, por vezes, são elaborados em Excel.
Podem os orçamentos e/ou autos de obra ser aceites ou tem de se solicitar que disponham de ATCUD?
Podem as faturas que fazem referência a orçamentos e/ou autos ser aceites em termos de dedução de IVA e como gasto para IRC?
Parecer técnico
As questões colocadas referem-se às implicações fiscais, na esfera do adquirente, decorrentes do facto de um fornecedor não emitir corretamente orçamentos e autos de medição.
Ora, o Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, procedeu à regulamentação das obrigações relativas ao processamento de faturas e outros documentos fiscalmente relevantes, bem como das obrigações de conservação de livros, registos e respetivos documentos de suporte que recaem sobre os sujeitos passivos de IVA.
No conceito de «documentos fiscalmente relevantes» mencionado no parágrafo anterior incluem-se, entre outros, as faturas, os recibos e as faturas-recibo, como também os orçamentos ou as folhas de obra, caso configurem documentos «suscetíveis, nomeadamente, de apresentação ao cliente que possibilitem a conferência de mercadorias ou de prestação de serviços.»
Nesta categoria, incluem-se ainda os créditos de consignação, faturas de consignação, autos de medição, notas de encomenda, faturas pró-forma e outros similares.
Assim, os orçamentos e os autos de obra, na medida em que cumpram os requisitos referidos anteriormente (sejam passíveis de apresentação aos clientes e possibilitem a conferência de mercadorias transmitidas ou prestações de serviços realizadas), deverão, de facto, ser considerados como documentos fiscalmente relevantes.
Feitas estas notas introdutórias, tenha-se em conta o seguinte:
O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, refere que «os sujeitos passivos devem assegurar que as faturas e demais documentos fiscalmente relevantes sejam processados por uma das seguintes formas:
a) Programas informáticos de faturação, incluindo aplicações de faturação disponibilizadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
b) Outros meios eletrónicos, nomeadamente máquinas registadoras, terminais eletrónicos ou balanças eletrónicas;
c) Documentos pré-impressos em tipografia autorizada.»
Ou seja, se, por exemplo, um sujeito passivo possuir um programa certificado pela AT, não poderá utilizar outro meio, como faturas manuais.
No seguimento deste artigo, o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, acerca da utilização de programa de faturação certificado, determina que:
«1 - Para efeitos do artigo anterior, os sujeitos passivos com sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e outros sujeitos passivos cuja obrigação de emissão de fatura se encontre sujeita às regras estabelecidas na legislação interna nos termos do artigo 35.º-A do Código do IVA, estão obrigados a utilizar, exclusivamente, programas informáticos que tenham sido objeto de prévia certificação pela AT, sempre que:
a) Tenham tido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a 50 000 euros ou, quando, no exercício em que se inicia a atividade, o período em referência seja inferior ao ano civil, e o volume de negócios anualizado relativo a esse período seja superior àquele montante;
b) Utilizem programas informáticos de faturação;
c) Sejam obrigados a dispor de contabilidade organizada ou por ela tenham optado.»
Logo, se houver obrigatoriedade de emissão de qualquer documento fiscalmente relevante e seja cumprido pelo menos um destes requisitos (o que nos parece ser o caso), o sujeito passivo em causa será obrigado a utilizar um programa de faturação certificado.
Aconselhamos, neste âmbito, a leitura dos pontos 3 e seguintes do Ofício-Circulado n.º 30 213, de 2019-10-01, referentes à utilização de programas de faturação certificados pela AT.
Estando perante sujeitos passivos de IRC, uma vez que, à luz do disposto no número 1 do artigo 123.º do CIRC, existe obrigação de os mesmos possuírem contabilidade organizada, terão, como vimos, à luz da alínea c) do número 1 do artigo 4.º do suprarreferido Decreto-Lei n.º 28/2019, de possuir programas de faturação certificados para emitir os seus documentos fiscalmente relevantes (onde se incluem, de facto, os orçamentos).
Pelo exposto, e respondendo à questão concreta, encontrando-se o sujeito passivo obrigado a possuir programa de faturação certificado (como, em princípio, acontece no caso concreto), deverá, de facto, emitir os seus orçamentos e os seus autos de obra (desde que considerados como documentos fiscalmente relevantes) através desse mesmo programa, pelo que o procedimento adotado pelo sujeito passivo não se encontra correto.
Relembramos, quanto às consequências pela falta de utilização de um programa de faturação certificado, o disposto no número 2 do artigo 128.º do RGIT, que refere que:
«2 - A falta de utilização de programas ou equipamentos informáticos de faturação certificados, nos termos legalmente previstos, é punida com coima variável entre 1 500 € e 18 750 €.»
Aproveitamos ainda para relembrar que, a partir de 1 de janeiro de 2023, deverão estes documentos, obrigatoriamente, nos termos do número 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 28/2019 e do número 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 195/2020, de 13 de agosto, conter ATCUD, o que obrigará à prévia comunicação das respetiva séries para esse efeito (daí que o Portal das Finanças, aquando da comunicação das séries dos «documentos de conferência», contemple a possibilidade de comunicar séries para «orçamentos»).
Sendo emitidos através de programas de faturação, deverão os orçamentos em análise conter, igualmente, o Código QR.
Sem prejuízo do referido nos parágrafos anteriores, note-se que a questão é feita na ótica do adquirente que recebe os orçamentos, os autos de obra e as respetivas faturas, pelo que somos a referir o seguinte:
Quanto à primeira questão, note-se que não percebemos o alcance da mesma, uma vez que os orçamentos e autos de obra, como sabemos, não implicam dedução de IVA ou o reconhecimento de qualquer gasto, pelo que o facto de os mesmos não cumprirem os requisitos legais mencionados anteriormente não terá, em bom rigor, qualquer impacto na esfera do adquirente destas prestações de serviços, sem prejuízo de poderem existir consequências para o seu emitente, visto estarem previstas coimas para tais incumprimentos.
Por outro lado, quanto à segunda questão, relembramos que, tal como decorre da alínea b) do número 5 do artigo 36.º do CIVA, na emissão de faturas, deve constar obrigatoriamente as quantidades e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, sob pena de não conferir o direito à dedução do imposto nelas contido e o gasto não ser aceite fiscalmente nos termos do número 6 do artigo 23.º do CIRC.
Quer isto dizer que, na emissão de faturas, não é possível a mera menção a autos de medição, folhas de obra, orçamentos ou documentos similares, por substituição da indicação das quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados.
De facto, somos de opinião de que, por exemplo, a descrição «Serviços de Construção Civil - Obra: XXXX - Auto de medição/orçamento n.º YY» ou, tal como sugerido na questão, «de acordo com o orçamento n.º XXXX» ou «de acordo com o auto de obra n.º XXXX», pese embora seja possível a apresentação destes documentos (neste caso, da relação dos serviços prestados) mediante pedido por parte da AT de forma a comprovar a natureza das operações em causa, não cumpre o disposto nos parágrafos anteriores, uma vez que a mesma é de carácter genérico e não permite avaliar quais as operações efetivamente realizadas, nomeadamente para apuramento do valor tributável e respetiva taxa de IVA.
Neste sentido, e de modo a salvaguardar que a AT não colocará em causa a aceitação fiscal do documento na ótica do adquirente, recomendamos, embora se trate de um procedimento exaustivo, que se solicite ao fornecedor a discriminação individual de todos os serviços realizados, para além da possível menção ao auto de medição ou ao orçamento, sendo que, frisamos, não será relevante se estes documentos se encontram, ou não, emitidos de acordo com o referido na primeira parte da nossa resposta, tendo apenas o sujeito passivo de garantir que a fatura contém todos os elementos previstos no número 5 do artigo 36.º do CIVA.