Pareceres
Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS)
8 Setembro 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


Determinada sociedade gestora de participações sociais (SGPS) é uma sociedade anónima constituída em 2003. Logo após a sua constituição, adquiriu uma participação (80%) de uma entidade portuguesa e mais recentemente adquiriu uma participação (100%) de uma entidade estrangeira, continuando a deter ambas. Tem apenas suportado despesas bancárias e serviços especializados, nomeadamente auditoria às contas. Estando a ponderar dar consistência à atividade da empresa, pretende dotá-la de colaboradores, emitir faturas relacionadas com prestação de serviços às subsidiárias (management fees) e adquirir viaturas, entre outras operações. Neste contexto, será mais adequado manter a atividade atual ou acrescentar/modificar a atividade económica registada, tendo em conta que a entidade apenas detém duas participações, sendo pouco relevante a atividade desenvolvida nesse âmbito? Em caso de alteração do CAE ou do objeto social, poderá a sociedade, ainda assim, adquirir participações noutras empresas no futuro? Qual o enquadramento contabilístico e fiscal (em sede de IVA e IRC) nos diferentes cenários possíveis?

Parecer técnico


O pedido de parecer prende-se com o enquadramento contabilístico e fiscal de uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS).

As sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) têm como objeto contratual exclusivamente a gestão de participações sociais de outras sociedades.

É permitida à SGPS prestar serviços técnicos de administração e gestão às sociedades em que detenha uma participação superior a 10%, bem como às sociedades abrangidas pelas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º, ou as sociedades com as quais exista contrato de subordinação (n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de dezembro que altera o Decreto-Lei n.º 495/88).

O artigo 5.º do mencionado decreto-lei vem enumerar as operações vedadas às SGPS. Não vemos que a SGPS fique impedida de adquirir, posteriormente à sua constituição, outras participações sociais.

A prestação de serviços técnicos de administração e gestão inclui, a nosso ver, a contabilidade.

Sendo estas questões jurídicas, de aplicação do regime jurídico das SGPS, deve ser sempre ouvido o parecer jurídico do advogado que acompanha a operação.

Quanto ao enquadramento fiscal das SGPS, esta forma de reorganização empresarial deixou de ter definitivamente benefícios fiscais específicos a partir da Lei de Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), e que também coincidiu com a Lei de Reforma do IRC (Lei n.º 2/2014).

Uma SGPS não tem qualquer especificidade ao nível fiscal, aplicando-se às participações sociais que detém, como às demais sociedades os artigos 51.º e 51.º-C do Código do IRC.

Em termos fiscais, reunindo os requisitos do artigo 51.º do Código do IRC, os dividendos recebidos não são tributados nem há lugar a retenção na fonte de IRC, por força do artigo 97.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC.

Numa alienação de participação social, reunidos os requisitos, aplica-se o artigo 51.º-C do CIRC.
Artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 318/94
"As SGPS remeterão anualmente à Inspeção-Geral de Finanças, até 31 de maio, o relatório e contas do ano anterior, o inventário das partes de capital incluídas em investimentos financeiros e a indicação dos titulares dos órgãos sociais à data a que se reporta o encerramento das contas, com menção das alterações ocorridas, durante o respetivo exercício, na composição daqueles órgãos."
Em termos contabilísticos não existe particularidade a assinalar nas SGPS, destacando o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 318/94.
Artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 318/94
"....
2 - As SGPS devem designar e manter um revisor oficial de contas ou uma sociedade de revisores oficiais de contas, desde o
início de atividade, exceto se tal designação já lhes for exigida nos termos de outras disposições legais.
3 - Sem prejuízo dos deveres previstos na legislação aplicável, é dever do revisor oficial de contas, ou da sociedade de revisores oficiais de contas, comunicar à Inspeção-Geral de Finanças, logo que delas tomem conhecimento, as infrações ao disposto no presente diploma que sejam imputadas à respetiva SGPS.
4 - A Inspeção-Geral de Finanças, enquanto entidade a quem compete a supervisão das SGPS, comunicará ao Ministério Público as infrações que, nos termos deste diploma, determinem a dissolução das sociedades e aplicará as coimas previstas no n.º 1 do artigo 13.º
5 - Ficam também sujeitas a registo especial e supervisão do Banco de Portugal as SGPS relativamente às quais se verifique alguma das situações previstas no artigo 117.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, sendo equiparadas a sociedades financeiras para efeitos do disposto no título XI do mesmo Regime Geral."

IVA
O enquadramento em IVA das SGPS tem sido objeto de ampla discussão doutrinária e jurisprudencial, sendo que, em relação a este último aspeto, já há um considerável número de casos julgados quer a nível nacional quer comunitário, em que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem afirmado, consistentemente, a posição de que a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma atividade económica na aceção do artigo 4.º, n.º 2, da Sexta Diretiva, na medida em que implique a realização de transações sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.º dessa Diretiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela holding às suas filiais.

Veja-se, por todos, o conteúdo da decisão no caso Ryanair ((Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 17 de outubro de 2018, Processo n.º C-249/17), em que se conclui em sentido concordante com o acima referido numa situação ainda mais extrema.
Este acórdão analisava a possibilidade de uma determinada companhia aérea (Ryanair) poder deduzir o IVA de despesas relativas à prestação de serviços de consultoria relacionados com a aquisição de participações sociais de outra companhia aérea quando demonstrasse que tinha intenção de intervir na gestão desta última prestando-lhe serviços de gestão sujeitos a IVA.

A discussão deste tema já foi objeto de diversa jurisprudência comunitária, que vem sublinhando, desde logo, que uma sociedade que tenha como único objeto a tomada de participações noutras empresas, sem intervir direta ou indiretamente na sua gestão, não prossegue uma atividade económica.

Contudo, no caso em apreço, verificando-se a intenção da Ryanair de prestar serviços sujeitos a IVA à sociedade adquirida exercendo assim, nesse sentido, uma atividade económica na aceção da Diretiva IVA, concluiu o TJUE que deve ser considerado um sujeito passivo para efeitos deste imposto, mesmo que a atividade projetada não venha a concretizar-se.

Neste sentido, concluiu ainda o TJUE que o IVA suportado podia ser integralmente deduzido se exclusivamente afeto à atividade projetada de prestação de serviços de gestão.

Assim, se, de facto, a SGPS tiver como único objeto a tomada de participações noutras empresas, sem intervir direta ou indiretamente na sua gestão, não prossegue uma atividade económica, e, portanto, o enquadramento para efeitos de IVA como sujeito passivo no regime geral de IVA, com direito à dedução, não se mostra conforme ao objeto social.

Mas, pelo contrário, se se verificar uma intenção de a SGPS vir a praticar operações com as suas participadas, intervindo na gestão nomeadamente através da prestação de serviços de assistência técnica (que dão lugar aos management fees), deve ser considerado um sujeito passivo para efeitos deste imposto, enquadrado no regime normal de IVA, com direito à dedução, mesmo que a atividade projetada não venha a concretizar-se.

O que releva para o enquadramento é a intenção, manifestada em atos de gestão concretos.

O direito à dedução só ocorrerá para as despesas realizadas afetas ao exercício de uma atividade económica, como aliás, decorre da própria previsão normativa do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, que estabelece:
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.

É à luz destes critérios que deve ser avaliado o enquadramento para efeitos de IVA da SGPS.