Pareceres
IRS / Transmissão de património
23 Setembro 2025
Parecer técnico do departamento de consultoria da Ordem


PT28639 - IRS / Transmissão de património
Julho, 2025



Determinada empresária em nome individual (ENI) atualmente exerce atividade por conta própria, enquadrada na categoria B e com contabilidade não organizada. A atividade exercida está enquadrada no CAE 96300 - Atividades funerárias e conexas, encontrando-se isenta de IVA ao abrigo do artigo 9.º do CIVA.
A empresária pretende cessar a sua atividade enquanto ENI e, em conjunto com o seu cônjuge, constituir uma sociedade comercial que dará continuidade à atividade atualmente desenvolvida.
A empresária possui um conjunto de bens (ativos e inventário) afetos à atividade que pretende transferir para a nova sociedade.
Pode, após cessar a atividade como ENI, proceder à entrega de uma declaração de transmissão de bens (como pessoa singular), transferindo os referidos bens para a nova sociedade ou, alternativamente, deverá emitir uma fatura de venda dos bens, ainda com a atividade aberta, sendo sujeita, nesse caso, à tributação em sede de mais-valias?
Salienta-se que a empresária nunca deduziu IVA nos bens, por se encontrar isenta. A questão do IVA, portanto, não se coloca. O objetivo é garantir a correta afetação dos bens à nova sociedade, com o enquadramento fiscal mais adequado.
Em caso de haver lugar à tributação de mais-valias, qual o enquadramento legal aplicável, nomeadamente sobre as taxas e a forma de apuramento?



Parecer Técnico


O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal, em sede de IVA e de IRS, na transmissão de um estabelecimento comercial, por um empresário em nome individual (ENI), para uma sociedade a constituir pelo próprio empresário e esposa.

Começamos por referir que quaisquer questões do âmbito jurídico devem de ser averiguadas junto de um profissional da área, como um advogado ou jurista, não sendo da competência do Departamento Técnico da Ordem dos Contabilistas Certificados pronunciar-se sobre essas matérias.
Em primeiro lugar, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA):
- As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
- As importações de bens;
- As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias.

Em sede de IVA, são sujeitos passivos de imposto as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC).

Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IVA, considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade. Pelo que em regra será uma operação sujeita e não isenta de IVA.
No entanto, existe a possibilidade do enquadramento no n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, a particularidade que aqui pode ocorrer e que é a exclusão da tributação em sede de IVA e que consiste na não tributação da operação de transmissão quando em causa esteja a transmissão da totalidade, ou parte, do património suscetível de constituir uma atividade independente, sujeita a IVA.

Para que se verifique a aplicação desta norma é necessário que:
a) Ocorra uma transmissão definitiva, a título oneroso ou gratuito, de:
- Uma unidade económica complexa - universalidade de facto ou de direito - englobando a cedência dos elementos corpóreos e dos elementos incorpóreos que a constituem (estes últimos, por força do disposto no n.º 5 do artigo 4.º do CIVA, considerando que a cedência de direitos é qualificada como prestação de serviços para efeitos de IVA); ou
- Parte de um património, que pelas características que reúne, tenha aptidão para o exercício de um ramo de atividade autónomo e independente.
b) Que o adquirente já seja, ou venha a ser pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

A segunda condição, à partida, estará garantida, dado que entendemos que o adquirente será uma sociedade ou um empresário que irá desenvolver essa atividade comercial e que será, presumimos, um sujeito passivo de IVA do regime geral

Neste caso, caso se verifique os requisitos estamos perante uma operação não sujeita a ICA, e neste caso, o suporte dessa transmissão poderá ser um contrato, entre o ENI e a Sociedade, com a discriminação de todos os bens e o seu respetivo valor.

Não obstante, caso não se cumpra com estes requisitos, será uma operação sujeita, embora isenta, nos termos do n.º 32 do artigo 9.º do CIVA: "Estão isentas as transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, quando não tenham sido objeto do direito à dedução e bem assim as transmissões de bens cuja aquisição ou afetação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º"

Assim, uma vez que nos é referido que se trata da transmissão de bens que não foi exercido o direito à dedução, porque está totalmente afeto a uma atividade isenta, a sua transmissão também será isenta, sem detrimento da não sujeição nos termos do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA.

Neste último caso, pese embora isento, não dispensa a emissão da fatura nos termos do artigo 29.º do CIVA, pelo que deverá ser emitida a fatura antes de cessada a atividade.

Por fim, pese embora, possa ser uma operação não sujeita ou isenta, no que se refere ao valor dos bens, deverá ser sempre praticado preços de mercado, uma vez que existem relações especiais, nos termos do artigo 16.º, n.º 10, do CIVA e artigo 63.º do CIRC.

Em sede de IRS, apesar de não ter sido referido pelo colega, a possibilidade do ENI passar a deter capital social na sociedade adquirente do estabelecimento comercial, pela transmissão do mesmo, apesar ser o caso, e como tal haveria lugar à aplicação do regime de neutralidade fiscal, previsto no artigo 38.º do Código do IRS (CIRS).

Em termos fiscais, o artigo 38.º do Código do IRS (CIRS) consagra um regime de neutralidade fiscal aplicável às pessoas singulares que pretendam transmitir a título oneroso o seu património afeto a uma atividade empresarial e profissional para realização do capital subscrito em sociedade.
Permite-se, então, que não haja lugar a apuramento de qualquer resultado tributável por virtude da realização de capital social resultante da transmissão da totalidade do património afeto ao exercício, por uma pessoa singular, de uma daquelas atividades.

Para que este benefício fiscal, que se traduza num diferimento de tributação proveniente da transferência do património, se concretize, torna-se necessário que se observem as seguintes condições, impostas pelo n.º 1 do referido artigo 38.º:
"a) A entidade para a qual é transmitido o património seja uma sociedade com sede e direção efetiva em território português ou, sendo residente noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, o património transmitido seja afeto a um estabelecimento estável situado em território português dessa mesma sociedade e concorra para a determinação do lucro tributável imputável a esse estabelecimento estável;
b) A pessoa singular transmitente fique a deter pelo menos 50 % do capital da sociedade e a atividade exercida por esta seja substancialmente idêntica à que era exercida a título individual;
c) Os elementos ativos e passivos objeto da transmissão sejam tidos em conta para efeitos desta com os mesmos valores por que estavam registados na contabilidade ou nos livros de escrita da pessoa singular, ou seja, os que resultam da aplicação das disposições do presente Código ou de reavaliações feitas ao abrigo de legislação de carácter fiscal;
d) As partes de capital recebidas em contrapartida da transmissão sejam valorizadas, para efeito de tributação dos ganhos ou perdas relativos à sua ulterior transmissão, pelo valor líquido correspondente aos elementos do ativo e do passivo transferidos, valorizados nos termos da alínea anterior;
e) A sociedade referida na alínea a) se comprometa, através de declaração, a respeitar o disposto no artigo 86.º do Código do IRC, a qual deve ser junta à declaração periódica de rendimentos da pessoa singular relativa ao exercício da transmissão."

Nos termos do n.º 3 do artigo 38.º do CIRS, se o titular da quota ou das ações, recebidas em contrapartida do património individual, proceder à sua transmissão onerosa antes de decorridos cinco anos serão os ganhos resultantes da transmissão das partes de capital tributados como rendimentos empresariais ou profissionais, e considerados como rendimentos líquidos da categoria B.

Face ao exposto, o sujeito passivo não pode, durante aquele período, efetuar operações sobre as partes sociais que beneficiem de regimes de neutralidade, sob pena de, no momento da concretização destas, se considerarem realizados os ganhos.

Se as partes de capital forem transmitidas depois de decorrido aquele período os ganhos correspondentes serão tributados como mais-valias da alienação onerosa de partes sociais, nos termos da subalínea 2) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS e, portanto, tributados como rendimentos da Categoria G.

Nos termos do disposto no artigo 86.º do CIRC, os bens transmitidos para a sociedade devem ser contabilizados pelos mesmos valores que tinham na contabilidade do sujeito passivo, devendo ainda ter-se em conta na determinação do lucro tributável da sociedade o seguinte:
"a) O apuramento dos resultados respeitantes aos bens que constituem o património transmitido é calculado como se não tivesse havido essa transmissão;
b) As depreciações ou amortizações sobre os elementos do ativo depreciáveis ou amortizáveis são efetuadas de acordo com o regime que vinha a ser seguido para efeito de determinação do lucro tributável da pessoa singular;
c) Os ajustamentos em inventários, as perdas por imparidade e as provisões que tiverem sido transferidos têm, para efeitos fiscais, o regime que lhes era aplicável para efeito de determinação do lucro tributável da pessoa singular."

Os prejuízos fiscais relativos ao exercício pela pessoa singular de atividade empresarial e profissional, e ainda não deduzidos ao seu rendimento tributável até 1 de janeiro de 2023, podem ser deduzidos nos lucros tributáveis da nova sociedade nos termos do artigo 52.º do CIRC, com a redação dada pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro.

Assim, contempla o artigo 38.º do CIRS, a figura da "transformação" em sociedade, que consiste na transmissão da totalidade do património do empresário em nome individual para realização do capital social da nova sociedade, ou seja, este regime de neutralidade, consiste em transferir o ativo e passivo da atividade de IRS para uma sociedade por quotas a constituir.

Por outro lado, o valor de tal património deverá constar de certificação emitida por Revisor Oficial de Contas (ROC) nos termos do disposto no artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) por se tratar da realização do capital da nova sociedade por novas entradas em espécie. O ROC será a entidade habilitada para apurar o valor do património.

Para utilização deste regime de neutralidade fiscal deverão verificar-se algumas condições, entre elas a emissão de declaração pela nova sociedade constituída, em como esta se compromete ao cumprimento do disposto no artigo 86.º do CIRC, que deverá integrar o dossiê fiscal do empresário em nome individual. Esta declaração deverá ser adaptada a cada caso em concreto, de acordo com os itens objeto de transferência e nas condições que os mesmos possuem.

Caso o regime de neutralidade fiscal não se possa aplicar nomeadamente por a sociedade já estar constituída, a transferência dos bens deverá ser efetuada através da alienação do património havendo lugar à determinação de rendimentos tributáveis, tratando-se dos inventários e ao apuramento das mais ou menos valias no caso do ativo.

Esta alienação deverá ser efetuada nos termos e condições que seriam normalmente utilizados numa situação normal de mercado com ausência de relações especiais, tendo em conta os bens em causa e a sua posição no mercado.

Face ao exposto, para poder usufruir do regime da neutralidade terá de cumprir os requisitos previstos nas alíneas a) a e) do n.º 38 bem como transmitir a totalidade do património. Neste caso, além do contrato ou da referida fatura (conforme referido em cima), deverá existir a certificação por parte do ROC para efeito das novas entradas em espécie.