Pareceres
IRS - obtenção de rendimentos em diversos territórios
2 Setembro 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRS - obtenção de rendimentos em diversos territórios
PT28611 – maio de 2025

 


Determinado sujeito passivo, de nacionalidade iraniana, residente fiscal em Portugal e tendo cá residência permanente, obtém rendimentos em Portugal, Irão, Emirados Árabes Unidos, Suíça e Noruega. Os rendimentos obtidos na Suíça são rendimentos de capitais e mais-valias mobiliárias. Nos restantes países são rendimentos prediais. Todos os rendimentos têm sido declarados em Portugal utilizando o crédito de impostos, nos casos em que houve pagamento de imposto na origem.
A questão é que foi recentemente notificado a entregar declarações de rendimentos e fazer pagamento de impostos na Noruega, uma vez que a esposa é residente fiscal nesse país e, como tal, a Noruega também o considera residente fiscal lá.
O entendimento é que isso não altera o procedimento em Portugal. Tem-se sempre de entregar IRS em Portugal, considerando todos os rendimentos e pagar os impostos cá. Na Noruega, caso ele seja mesmo obrigado a entregar declaração de rendimentos deverão ter em consideração o imposto já pago em Portugal. Este entendimento está correto?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento, em sede de IRS, da obtenção de rendimentos em diversos territórios, sendo questionado como será efetuado o enquadramento do sujeito passivo quanto à sua residência fiscal.
Em termos fiscais, damos nota do conceito de residente, que consta do artigo 16.º do Código do IRS (CIRS). Efetivamente, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 16.º do CIRS «[s]ão residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Haja nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.
3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.
4 - A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos números 14 e 16.»
Esta norma, vigente em território nacional, deve ser analisada para efeitos de determinação da residência fiscal neste país, ou seja, verificados estes critérios a Autoridade Tributária e Aduaneira tem legitimidade para considerar este contribuinte como residente em território nacional.
Adicionalmente, para a questão colocada importa atender às duas regras de tributação previstas nos números 1 e 2 do artigo 15.º do CIRS, nos termos dos quais:
«1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.»
Assim, será de concluir que os sujeitos passivos residentes em território nacional são tributados pela regra da universalidade ou de base mundial, segundo a qual as pessoas residentes são tributadas pela totalidade dos rendimentos obtidos, incluindo os obtidos no estrangeiro.
Por sua vez, os sujeitos passivos não residentes em território nacional são aqui tributados, de acordo com a regra da territorialidade, pelos rendimentos aqui obtidos. Para o efeito, no n.º 1 do artigo 18.º do CIRS são enumeradas as diversas situações que se configuram como rendimentos obtidos em território nacional, apenas estes rendimentos quando obtidos por não residentes são aqui tributados.
Devido à existência destas duas regras de tributação dos rendimentos nos diversos Estados pode ocorrer uma dupla tributação sobre esses rendimentos, pois os rendimentos podem ser tributados no país onde são obtidos (regra da territorialidade) e no país de residência da pessoa que os obtêm (regra da universalidade), quando esse país não for o mesmo.
Para superar esta situação foram criadas as convenções para evitar a dupla tributação (CDT) internacional celebradas entre Portugal e outros Estados, com o objetivo de estabelecer uma redução ou eliminação de tributação de determinados rendimentos obtidos num Estado por residentes do outro Estado.
Por outro lado, quando não existir CDT para eliminar a dupla tributação, existem mecanismos de redução ou eliminação da tributação, previstos nas legislações de cada país, que evitam essa dupla tributação nomeadamente através de dedução à coleta do imposto pago no estrangeiro (método do crédito do imposto) ou através de isenção na tributação aos rendimentos obtidos no estrangeiro. Os residentes de cada país devem verificar quais os métodos aí previstos para aplicarem aos rendimentos que obtenham no estrangeiro.
A este respeito, note-se que o n.º 2 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), lei fundamental em território nacional, estabelece que «[a]s normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.»
Isto significa que, na prática, tratando-se as convenções de uma lei superior, esta se sobrepõe às normas de direito interno, por via da supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário.
No caso em concreto é referido que o sujeito passivo é residente fiscal em Portugal. No entanto, o mesmo foi recentemente notificado a entregar declarações de rendimentos (e fazer pagamento de impostos) na Noruega uma vez que a esposa é residente fiscal nesse país e, como tal, a Noruega também o considera residente fiscal lá.
Contudo, cumpre desde logo notar que a legislação fiscal não permite que o mesmo sujeito passivo seja considerado residente fiscal em mais do que um território, definindo critérios de «desempate» para que se possa concluir em que território o sujeito passivo será enquadrado como residente fiscal.
Neste sentido, o artigo 4.º da Convenção para evitar a dupla tributação (CDT), celebrada entre Portugal e a Noruega, regula a residência dos sujeitos passivos (ver aqui)
Nos termos do n.º 1 do citado artigo 4.º da CDT, «(...) a expressão “residente de um Estado Contratante” significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar, e aplica -se igualmente a este Estado e às suas subdivisões políticas ou administrativas ou autarquias locais. Todavia, esta expressão não inclui qualquer pessoa que esteja sujeita a imposto nesse Estado apenas relativamente ao rendimento de fontes localizadas nesse Estado.»
Não obstante, sendo o estatuto de residência aferido com base na legislação de cada um dos Estados, poderá ocorrer situações em que ambos os territórios considerem o sujeito passivo residente fiscal, tendo por base a sua legislação.
A este respeito, o n.º 2 do artigo 4.º da CDT refere que «[q]uando, por virtude do disposto no n.º 1, uma pessoa singular seja residente de ambos os Estados Contratantes, a situação será resolvida como se segue:
a) Será considerada residente apenas do Estado em que tenha uma habitação permanente à sua disposição. Se tiver uma habitação permanente à sua disposição em ambos os Estados, será considerada residente apenas do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais);
b) Se o Estado em que tem o centro de interesses vitais não puder ser determinado, ou se não tiver uma habitação permanente à sua disposição em nenhum dos Estados, será considerada residente apenas do Estado em que permaneça habitualmente;
c) Se permanecer habitualmente em ambos os Estados, ou se não permanecer habitualmente em nenhum deles, será considerada residente apenas do Estado de que seja nacional;
d) Se for nacional de ambos os Estados, ou se não for nacional de nenhum deles, as autoridades competentes dos Estados Contratantes resolverão o caso de comum acordo.»
Face ao exposto, e no caso em concreto, com base nas referidas normas de "desempate", deverá o sujeito passivo aferir em qual dos países será considerado residente fiscal, devendo demonstrar tal enquadramento às referidas autoridades fiscais.