Pareceres
IRS - Criptoativos
3 Setembro 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRS - Criptoativos
PT28613 – maio de 2025

 

Determinado sujeito passivo particular, sem atividade profissional, em 2024 fez um investimento de 4 euros e em 3 meses conseguiu fazer a mineração da moeda digital e transformar o investimento em 600 mil euros.
Até à data ainda não resgatou qualquer valor para moeda tradicional. Não houve lugar a operações comerciais, apenas mineração.
Qual o enquadramento fiscal da situação? É necessário iniciar atividade? É necessário declarar algum valor no IRS de 2024?
Qual o enquadramento fiscal quando resgatar o valor? Como deve ser declarado? Enquanto não for resgatado é necessário realizar alguma operação fiscal?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal, em sede de IRS, dos rendimentos obtidos de criptoativos.
Sobre o tema em causa, daremos a nossa melhor opinião, mas há questões que não têm ainda resposta em doutrina emanada por parte da Autoridade Tributária pelo que deve ser solicitado pedido de informação vinculativo (PIV), nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária.
A este respeito, cumpre notar que os rendimentos provenientes de operações relativas a criptoativos, que não façam delas uma atividade profissional, podem ser classificados como rendimentos de capitais ou mais-valias.
Neste sentido, tenha-se presente que nos termos do Código do IRS (CIRS), considera-se criptoativo toda a representação digital de valor ou direitos que possa ser transferida ou armazenada eletronicamente recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outra semelhante. Excluem-se desta definição os criptoativos únicos e não fungíveis com outros criptoativos.
Determina a alínea u) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS que se as operações forem efetuadas apenas com a finalidade de aplicação de capital e daí resultar alguma remuneração, esta se enquadra na categoria E, ou seja, rendimentos de capitais.
Contudo, por norma, esta remuneração também ela ocorre em criptoativos e, neste caso, passa a enquadrar-se na categoria G, sendo tributada como mais-valia quando estes criptoativos forem alienados, conforme refere o n.º 11 do artigo 5.º do CIRS.
Nos termos da alínea k) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, o valor obtido com a venda de criptoativos, que não sejam valores mobiliários, enquadra-se na categoria G.
Não obstante, a citada norma de sujeição, determina o n.º 19 do artigo 10.º do CIRS que «[s]ão excluídos os ganhos obtidos, bem como as perdas incorridas, resultantes das operações previstas na alínea k) do n.º 1 relativas a criptoativos detidos por um período igual ou superior a 365 dias.»
Assim, quando o detentor dos criptoativos os alienar o rendimento qualifica-se como mais-valias podendo beneficiar da exclusão de tributação se os detiver durante mais de 365 dias, sendo o valor de aquisição o contravalor em euros à data do recebimento.
Não obstante, no caso em concreto, sendo referido que o sujeito passivo não realizou qualquer operação comercial, apenas mineração dos referidos criptoativos, entendemos que a legislação supra não será aplicável.
Contudo, cumpre notar que, sendo uma atividade reiterada, o sujeito passivo deve dar início de atividade como titular de rendimentos da categoria B.
Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, determina o que se consideram rendimentos empresariais e profissionais (categoria B). A este respeito, transcrevemos o citado artigo, nomeadamente a legislação que poderá ter impacto no caso em análise.
«1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
a) Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior; (...)
2 - Consideram-se ainda rendimentos desta categoria: (...)
h) Os provenientes da prática de atos isolados referentes a atividade abrangida na alínea a) do n.º 1;
i) Os provenientes da prática de atos isolados referentes a atividade abrangida na alínea b) do n.º 1.
3 - Para efeitos do disposto nas alíneas h) e i) do número anterior, consideram-se rendimentos provenientes de atos isolados os que não resultem de uma prática previsível ou reiterada.» (itálico nosso)
Adicionalmente, a alínea o) do n.º 1 do artigo 4.º do CIRS refere que as operações relacionadas com a emissão de criptoativos, incluindo a mineração, ou a validação de transações de criptoativos através de mecanismos de consenso, são consideradas como atividades comerciais e industriais.
Caso se conclua que estamos perante rendimentos de categoria B, somos a referir que as pessoas singulares ou coletivas que pretendam exercer uma atividade devem declarar o seu início [alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º Código do IVA (CIVA), artigo 31.º do CIVA, artigo 112.º do CIRS e artigo 118.º do Código de IRC (CIRC)], através da entrega da respetiva declaração de início de atividade.
Estando perante rendimentos de categoria B, nos termos do artigo 28.º do CIRS, «[a] determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º [Imputação especial - Rendimentos em regime de transparência fiscal], faz-se:
a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;
b) Com base na contabilidade.»
Por sua vez, nos termos do n.º 2 do referido artigo «[f]icam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 200 mil euros.»
Contudo, mesmo que fiquem enquadrados no regime simplificado, os sujeitos passivos podem optar pelo apuramento dos seus rendimentos com base na contabilidade, devendo expor essa intenção nos termos do n.º 4.
Em conformidade com o n.º 6 do artigo 28.º do CIRS, é de salientar que a aplicação do regime simplificado cessa quando o montante de 200 mil euros seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando seja ultrapassado num único exercício, em montante superior a 25 por cento, ou seja, quando num só exercício ultrapasse o valor de 250 mil euros, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.
No caso em concreto, na medida em que nos iremos encontrar no primeiro ano de atividade do sujeito passivo, define o n.º 10 do referido artigo 28.º que «[n]o exercício de início de atividade, o enquadramento no regime simplificado faz-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor anual de rendimentos estimado, constante da declaração de início de atividade, caso não seja exercida a opção a que se refere o n.º 3.»
Caso o contribuinte seja tributado de acordo com o regime da contabilidade organizada, seguir-se-ão as regras do CIRC na determinação do lucro tributável (conforme artigo 32.º do CIRS).
Se, pelo contrário, a tributação seguir o regime simplificado, haverá que ter em atenção a aplicação dos coeficientes previstos no artigo 31.º do CIRS.
Sendo aplicável o regime simplificado de IRS, o sujeito passivo verá o seu IRS ser liquidado pela AT, mediante aplicação das taxas gerais previstas no artigo 68.º sobre o rendimento líquido da Categoria B, ou seja, após a aplicação do coeficiente previsto no artigo 31.º do CIRS.
No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos coeficientes definidos no n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, a saber:
«a) 0,15 às vendas de mercadorias e produtos, às operações com criptoativos, com exceção da referida na alínea d), bem como às prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades de restauração e bebidas e de atividades hoteleiras e similares, com exceção daquelas que se desenvolvam no âmbito da atividade de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento;
b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;
c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;
d) 0,95 aos rendimentos provenientes da mineração de criptoativos, de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, aos rendimentos de capitais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, ao resultado positivo de rendimentos prediais, ao saldo positivo das mais e menos-valias e aos restantes incrementos patrimoniais;
e) 0,30 aos subsídios ou subvenções não destinados à exploração;
f) 0,10 aos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores;
g) 1 aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuadas a:
i. Sociedades abrangidas pelo regime da transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, de que o sujeito passivo seja sócio; ou
ii. Sociedades nas quais, durante mais de 183 dias do período de tributação:
1) O sujeito passivo detenha, direta ou indiretamente, pelo menos 5% das respetivas partes de capital ou direitos de voto;
2) O sujeito passivo, o cônjuge ou unido de facto e os ascendentes e descendentes destes detenham no seu conjunto, direta ou indiretamente, pelo menos 25% das respetivas partes de capital ou direitos de voto.
h) 0,50 aos rendimentos da exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento, localizados em área de contenção.» (itálico nosso)
Importa salientar que a aplicação de cada um dos coeficientes indicados no n.º 1 do artigo 31.º do CIRS é feita em função da natureza dos rendimentos obtidos, pelo que, terá sempre de se ter em consideração quais as operações que efetivamente o sujeito passivo realiza, para a correta aplicação destes coeficientes, ou seja, a avaliação não pode ser efetuada pela análise genérica do CAE ou do código de atividade, tendo de se atender à natureza do rendimento obtido.
No caso em concreto, notamos que o enquadramento do coeficiente não impõe qualquer validação da origem do rendimento. Neste sentido, caso se encontrem cumpridos os requisitos de aplicabilidade do regime simplificado, nomeadamente o montante anual ilíquido de rendimentos, este regime poderá ser aplicável aos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo.
Ressalvamos ainda que devem cumprir-se as diversas obrigações em termos fiscais inerentes a este tipo de atividade, nomeadamente a emissão de fatura, conforme previsto no artigo 115.º do CIRS.
Feito este breve enquadramento, e deixando uma vez mais a chamada de atenção para a possibilidade de submissão de um PIV, cumpre responder às questões colocadas.
Assim, estando perante a mineração de criptoativos, em sede de IRS, tal atividade corresponde a uma atividade enquadrada na categoria B, pelo que sendo realizada com carácter de habitualidade, os códigos fiscais impõem a necessidade de início de atividade.
No que respeita ao momento da tributação, notamos que na informação vinculativa Processo n.º 14436, por despacho de 2019-07-03, da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação), é referido que:
«(...) Para a mineração são necessários processadores (computadores) para o tratamento e organização de transações realizadas ou colocadas na internet. A informação relacionada com essas transações é compilada sobre a forma de "blocos". A acumulação da informação em forma de "blocos" dá origem à blockchain, que funciona como um livro de registos das transações realizadas.
3. A organização das transações referidas em formas de "blocos" e a sua inscrição na blockchain garante a "remuneração" através de criptomoeda, criada especificamente para esse efeito. A criptomoeda pode ser trocada por moeda "real" em função do seu valor de mercado e pode ser utilizada como meio de pagamento junto de fornecedores que aceitem a criptomoeda.
4. As receitas da entidade que desenvolve a "atividade de mineração" resultam da remuneração em criptomoeda pela organização das transações em forma de "blocos" e da troca dessa criptomoeda por moeda "real".
5. Segundo refere o Requerente, a atividade acima identificada não é prestada a ninguém em particular. Os principais gastos da "atividade de mineração" resultam do investimento inicial necessário nos equipamentos informáticos, os consumos de energia para o funcionamento e refrigeração dos processadores e a locação/aquisição do espaço necessário para a colocação dos processadores.» (itálico nosso)
Neste sentido, assumindo que existe uma remuneração pela mineração, entendemos que será este o facto relevante para efeitos de tributação em sede de IRS, na categoria B.
Caso, posteriormente, existam operações comerciais com as possíveis criptomoedas recebidas, deverão ser aferidos os respetivos impactos, com base na substância das operações, conforme enquadramento supra.
A respeito do tema em análise, aconselhamos ainda o folheto informativo disponível no Portal das Finanças, denominado «Criptoativos - conceito fiscal e tributação», disponível nesta ligação.