Pareceres
Inventário – revenda de "raspadinhas"
10 Setembro 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


Inventário – revenda de "raspadinhas"
PT28620 – junho de 2025

 

Quais as contas a movimentar referentes aos jogos da Santa Casa, nomeadamente das "raspadinhas" para revenda, no caso em que se passa a fatura ou fatura/recibo com a comissão?

 

Parecer técnico

 

A questão colocada, refere-se com o enquadramento contabilístico quando à revenda de raspadinhas.
Importa começar por perceber, face ao que está contratualizado entre a SCML e o mediador, se se está perante uma operação relacionada com inventários ou perante uma operação relacionada com prestação de serviços, ou seja, se o mediador atua como entidade principal ou como agente nas operações de venda de jogo da SCML.
Há que perceber em que situações o fornecimento de mercadorias a clientes pode ser reconhecido como rédito de venda de bens (inventários adquiridos para revenda), e em que situações esses fornecimentos podem ser meras operações de intermediação por conta do fornecedor.
De acordo com a estrutura concetual do SNC, apenas se considera um ativo quando exista o controlo dos bens, em resultado dessa aquisição, para a qual se espera que se obtenham benefícios económicos com a sua utilização ou venda. Esse ativo apenas pode ser reconhecido quando se estime que se obtenham os referidos benefícios económicos e o seu custo seja fiavelmente mensurado.
Como conceitos, os inventários são ativos detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial, tal como determina o parágrafo 6 da NCRF 18.
Os ativos, para serem reconhecidos no balanço como tal, têm de cumprir os dois requisitos previstos no parágrafo 81 da estrutura concetual do SNC, e que está presente nas diversas NCRF que tratam do reconhecimento de ativos (como, por exemplo, a NCRF 18 - Inventários).
Na prática, apenas quando os bens forem colocados à disposição da empresa, se deve proceder ao respetivo reconhecimento do inventário pelo seu custo de aquisição, incluindo o preço de aquisição dos bens e todas as despesas necessárias para a compra, incluindo impostos não recuperáveis e custos de importação, conforme previsto no parágrafo 10 e 11 da NCRF 18 - Inventários.
O reconhecimento dos rendimentos obtidos pelo exercício da atividade ordinária de uma entidade, enquadram-se no conceito de rédito, previsto na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 20 - Rédito.
No conceito de rédito inclui-se o influxo bruto de benefícios económicos durante o período proveniente do curso das atividades ordinárias de uma entidade quando esses influxos resultarem em aumentos de capital próprio, que não sejam aumentos relacionados com contribuições de participantes no capital próprio, conforme disposto no parágrafo 7 da NCRF 20.
Esta NCRF 20 estabelece os procedimentos contabilísticos a aplicar ao rédito, incluindo-se neste conceito, a venda de bens e as prestações de serviços (bem como juros, royalties e dividendos).
O princípio genérico previsto na NCRF 20 é reconhecer o rédito quando seja provável que benefícios económicos futuros irão fluir para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados.
O rédito proveniente da venda de bens apenas pode ser reconhecido quando todas as seguintes condições estejam cumpridas:
- A entidade tenha transferido para o comprador os riscos e vantagens significativos da propriedade dos bens;
- A entidade não mantenha envolvimento continuado de gestão com grau geralmente associado com a posse, nem o controlo efetivo dos bens vendidos;
- A quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada;
- Seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade; e
- Os custos incorridos ou a serem incorridos referentes à transação possam ser fiavelmente mensurados.
Como se constata, o conceito e o reconhecimento de inventários está diretamente relacionado com o conceito e o reconhecimento do rédito pela venda de bens, estabelecendo-se os princípios e procedimentos para os bens adquiridos, detidos e vendidos no âmbito do exercício ordinário da atividade da empresa (atividade principal).
O principal princípio a ter em atenção está relacionado com a detenção do controlo desses bens, ou seja, de qual entidade detém os riscos e vantagens decorrentes da propriedade (económica) dos bens.
Para essa análise, deve-se verificar se a empresa, por essa operação, está a agir como entidade principal ou como mero agente, tal como resulta do parágrafo 8 da NCRF 20.
Nos termos do parágrafo 8 da NCRF 20, o rédito inclui somente os influxos brutos de benefícios económicos recebidos e a receber pela entidade de sua própria conta. As quantias cobradas por conta de terceiros como, por exemplo, num relacionamento de agência, os influxos brutos de benefícios económicos que não resultem em aumentos de capital próprio para o agente, são excluídos do rédito. As quantias cobradas por conta do capital não são rédito. Em vez disso, o rédito é a quantia de comissão.
Para se determinar se uma entidade está a agir como principal ou como agente requer julgamentos e juízos de valor face aos factos e circunstâncias de cada operação.
A entidade está a agir como principal (e não como agente - comissionista) quando estiver exposta significativamente aos riscos e vantagens da venda dos bens ou prestação de serviços, nomeadamente:
- A entidade tem a principal responsabilidade de fornecer os bens e prestar os serviços ao cliente, incluindo a aceitação das encomendas ou de reservas;
- A entidade tem o risco de inventário antes e após a encomenda, durante o transporte e pelas devoluções;
- A entidade tem poder para o estabelecimento de preços;
- E, a entidade fica com o risco de cobrança da dívida a receber do cliente.
Uma característica que indica que uma entidade está a agir como um agente é que o valor que a entidade obtém está pré-determinado, como sendo uma taxa fixa por transação ou uma percentagem estabelecida em função do montante cobrado ao cliente.
Ora, face ao exposto e transpondo para o caso em análise:
- Os mediadores do DJSCML atuam como agente em relação ao apostador junto dessa entidade (artigo 2.º, n.º 2 do regulamento dos mediadores dos jogos sociais do estado);
- Não estabelecem preços, nem providenciam bens ou serviços adicionais aos apostadores;
- Não têm risco de inventário, podendo devolver os bilhetes ao DJSCML, exceto o por eles danificados, não registados ou de outro modo inutilizados (artigo 12.º, n.º 2);
- Não têm risco de crédito;
- A sua remuneração é pré-estabelecida pelo DJSCML (artigo 14.º).
Face ao exposto, relativamente a operações que visem a aquisição/transmissão física de bilhetes, e dependendo do que estiver estipulado em termos de contrato (das características das operações, direitos e obrigações geradas para as partes intervenientes) entendemos que o procedimento a seguir parece ser de que o mediador atua como agente, a menos que as características do contrato levem a ser ponderada a utilização da NCRF 18 - Inventários (que nos parece difícil, mas do qual não podemos deixar de referir a possibilidade).
A nosso ver, pelo que conhecemos da operação, a entidade em causa, não está a agir como principal, mas como mero agente, não tendo que reconhecer qualquer rédito pela venda de bens, atendendo a que não existe a transferência efetiva da propriedade dos bilhetes físicos, sendo estes negociados em nome e por conta da Santa Casa, pelo que o controlo da quantidade destes será feito extra-contabilisticamente. No entanto, tal deverá ser aferido em função do que estiver estipulado nos acordos e legislação que os regulamentam.
Por sua vez, os mediadores dos JSE, desde que previamente autorizados pelo DJSCML, podem proceder à venda de bilhetes ou frações físicas da lotaria nacional e de bilhetes físicos de lotaria instantânea através de terceiros (cauteleiros).
Esses terceiros podem exercer a respetiva atividade de forma ambulante ou em estabelecimento físico.
Nestes termos, e, não obstante poder haver entendimentos divergentes, sugerimos os seguintes lançamentos contabilísticos:
Pela venda direta aos apostadores na ótica do mediador
Pelo registo dos bilhetes e recebimento do valor dos apostadores (com base nos registos diários):
- Débito da conta 12 - Depósitos à ordem, por contrapartida a crédito da conta 278x - Outros devedores e credores - Jogos Santa Casa, pelo valor recebido das apostas;
Pelo pagamento de bilhetes premiados aos apostadores:
- Débito da conta 278x - Outros devedores e credores - Jogos Santa Casa, por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo valor pago de prémios (com base nos registos diários).
Pela comissão (remuneração) obtida pelo mediador (com base na informação do DJSCML):
- Débito da conta 21 - Clientes, pelo valor devido das comissões, por contrapartida a crédito da conta 72 - Prestações de serviços, pelo total da comissão.
Pela entrega dos valores recebidos dos bilhetes registados dos apostadores, líquido dos prémios pagos e das comissões devidas:
- Débito da conta 278x - Outros devedores e credores - Jogos Santa Casa, pelo valor líquido entre os valores recebidos dos bilhetes registados e os prémios pagos;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 21 - Clientes, pelo valor devidos das comissões;
- Crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo valor a pagar à Santa Casa.
Registos contabilísticos na revenda de bilhetes físicos a outros sujeitos passivos (cauteleiros):
Pela entrega dos bilhetes aos terceiros para revenda (com base na fatura emitida):
- Débito da conta 278y - Terceiros, pelo valor dos bilhetes deduzido das comissões atribuídas aos terceiros;
- Débito da conta 281 - Gastos a reconhecer, pelo valor da comissão atribuída ao terceiro;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 278x - DJSCML, pelo valor dos bilhetes.
Pelo recebimento do valor do jogo vendido pelo terceiro (com base na informação interna da venda pelo terceiro):
- Débito da conta 12 - Depósitos à ordem, por contrapartida a crédito da conta 278y - Outros devedores e credores - Jogos Santa Casa - Terceiros, valor do bilhete deduzido da comissão a atribuir ao terceiro e dos prémios pagos;
Pela entrega dos valores das apostas ao DJSCML deduzido das comissões e dos prémios pagos (com base na informação do DJSCML):
- Débito da conta 278x - Outros devedores e credores - Jogos Santa Casa, pelo valor dos bilhetes;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, valor recebido, referente ao valor dos bilhetes deduzido da comissão total e dos prémios pagos;
- Crédito da conta 72 - Prestações de serviços, pela comissão total atribuída ao mediador.
- Crédito da conta 278y - Outros devedores e credores - Jogos Santa Casa - Terceiros, pelos prémios pagos.
Pelo reconhecimento da redução do rédito da comissão, referente à comissão atribuída ao terceiro:
- Débito da conta 72 - Prestações de serviços, por contrapartida a crédito da conta 281 - Gastos a reconhecer, pelo valor da comissão atribuída ao terceiro.
Na ótica do revendedor (cauteleiro) e na medida em que este age em nome e por conta do mediador, uma vez que o mediador (agente autorizado) pode proceder à venda dos bilhetes ou frações físicas através de cauteleiros, entendemos resultar desta operação uma remuneração do cauteleiro que se consubstancia na divisão da comissão atribuída pela DJSCML ao mediador.
Neste seguimento, seguindo a lógica de que o mediador atua como agente e que não detém a efetiva da propriedade dos bilhetes físicos, sendo estes negociados em nome e por conta da Santa Casa, admitindo que que o cauteleiro, por sua vez, age em nome e por conta do mediador, em termos contabilísticos, entendemos que os procedimentos a seguir deverão ser nos mesmos termos do mediador, resultando em termos de faturação a emissão da fatura ao mediador pela sua parte da comissão.
Pela fatura recebida pela revenda dos bilhetes por parte dos mediadores:
- Débito da conta 278x - Outros devedores e credores – Mediador, por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo valor dos bilhetes (valor da fatura emitida pelo mediador);
Pela emissão fatura ao mediador da sua parte da comissão:
- Débito da conta 21 – Clientes - Mediador por contrapartida a crédito da conta 72 - Prestações de serviços, pela comissão;
Pela venda dos bilhetes aos apostadores:
- Débito da conta 12 - Depósitos à ordem, por contrapartida a crédito da conta 278x - Outros devedores e credores - Mediador, pelo valor recebido das apostas.
No que se refere à emissão de faturação, até à divulgação do ofício-circulado n.º 30 256/2023, de 26 de janeiro, o serviço de intermediação efetuado, neste caso, pelos mediadores (agentes autorizados) à Santa Casa obrigava à emissão de fatura pelo valor da comissão recebida.
Todavia, o recente ofício-circulado n.º 30 256/2023, de 26 de janeiro, veio dispensar a emissão de fatura ou fatura simplificada relativo às comissões auferidas pelos intermediários.
Neste sentido, a partir de 26 de janeiro de 2023, os mediadores de jogos sociais do Estado podem cumprir a obrigação de faturação das suas comissões, nos termos do n.º 6 do artigo 40.º do CIVA, através do registo das operações correspondentes à prestação de serviços de assistência aos jogadores (consumidores finais).
Este novo entendimento da Autoridade Tributária veio revogar todas as orientações divulgadas.
Por sua vez, a revenda de bilhetes a outros sujeitos passivos de bilhetes físicos previamente adquiridos junto da DJSCML, está sujeita à obrigação de emissão de fatura, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA.
Alerta-se que para efeitos de preenchimento da declaração periódica, os revendedores de Jogos Sociais do Estado, estão sujeitos à entrega da declaração periódica do IVA, deverão de inscrever no campo 9 do quadro 6, não só os valores correspondes às comissões que auferem pela sua prestação de serviços realizados à Santa Casa, como também pela revenda de bilhetes da lotaria a outros sujeitos passivos de IVA.
Embora este ofício-circulado não faça menção a tal procedimento, somos igualmente de opinião de que as comissões faturadas pelos revendedores/cauteleiros aos mediadores deverão, de facto, ser suportadas com uma fatura, nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 29.º do CIVA.
Sem prejuízo da obrigação de emissão de fatura, esta comissão poderá, de todo o modo, beneficiar, igualmente, da isenção prevista no número 31) do artigo 9.º do CIVA.
Por último, sugerimos consulta da apresentação da reunião livre de dia 15 de fevereiro que consta na PastaCC/Documentos/Formação/Formação 2023/ Reuniões livres - «Tratamento contabilístico e fiscal - Jogos Santa Casa».
Poderá encontrar esta reunião livre nesta ligação.