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Criar pontes e dar voz à diversidade mediterrânica
26 Novembro 2025
FCMLisboa24Nov
Ordem e FCM organizaram conferência internacional, em Lisboa, a 24 de novembro


O auditório António Domingues de Azevedo, em Lisboa, voltou a ser o cenário de uma conferência internacional, que reuniu representantes de diversas jurisdições, da Europa e do Norte de África, banhadas por um mar comum, o Mediterrâneo. «Future Ready Accountants: Innovation, sustainability and regional impact» («Contabilistas preparados para o futuro: Inovação, sustentabilidade e impacto regional»), foi o tema proposto para o evento realizado a 24 de novembro e que teve a particularidade de estar associado ao «Dia do Mediterrâneo» que se celebra a 28 de novembro e proporciona uma oportunidade para promover intercâmbios culturais, celebrar a cooperação, abraçar a diversidade e reforçar os laços entre os povos mediterrânicos. Ao longo de uma tarde, a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) e a Fédération des Experts Comptables Méditerranéens (FCM) uniram esforços no sentido de debater o contributo da diversidade cultural e profissional de vários países para dar resposta aos múltiplos desafios que se colocam nos tempos modernos.

Adaptabilidade e integridade

Na sessão de abertura, após a exibição do vídeo institucional da Ordem, em versão inglesa, a bastonária da OCC referiu que, ao nível do relato de sustentabilidade, «os contabilistas certificados e os auditores estão cada vez mais integrados», cabendo a estes profissionais «trazerem a confiança necessária aos utilizadores da informação não financeira.» Por seu turno, Nelson Ferreira realçou a importância que conferências como esta têm para «que os contabilistas estejam preparados para enfrentar o futuro e a realidade em rápida mutação.» O ainda presidente da FCM defendeu ainda que, no contexto da transformação tecnológica, os profissionais devem abraçar o desafio da especialização, «reforçando as suas capacidades.» Lee White interveio através de uma mensagem vídeo gravada. O CEO da Internacional Federation of Accountants (IFAC) começou por enfatizar a «visão» e «liderança» demonstradas pelos responsáveis máximos da OCC e da FCM, nomeadamente pela promoção de «espaços de colaboração e reflexão, que a profissão a nível global necessita dando voz à diversidade em prol da unidade.» O australiano acrescentou ainda que «somos mais fortes quando nos ouvimos uns aos outros. Esta é uma profissão que abre portas em qualquer parte do mundo. A adaptabilidade e a integridade são características que tornam desta profissão verdadeiramente global.»

Também à distância foi a intervenção de Francisco Sant’Anna. O membro do board da IFAC dissertou sobre as exigências do mundo atual que se colocam ao profissional da contabilidade. O “contador” brasileiro argumentou que os profissionais, que atuam como «agentes de confiança pública», «não se devem acomodar às funções tradicionais, tudo devendo fazer para terem uma presença mais destacada nas altas esferas de decisão da comunidade devido ao conhecimento único que possuem.» Para Sant’Anna, «as atuais transformações no mundo são uma oportunidade para o reposicionamento do contabilista certificado no mundo.»

«Agir agora não é opcional, é estratégico.»

O primeiro painel da conferência foi subordinado ao tema «ESG, sustentabilidade e valor público» e teve a moderação de João Ferreira da Silva, assessor da bastonária. O britânico Harpal Singh defendeu, ao nível das empresas de pequena e média dimensão, a necessidade de um «aumento da resiliência perante um mundo em mutação, fomentando a literacia e a sustentabilidade. O responsável do IFAC pelo setor das PME e também representante do Grupo de Edimburgo declarou ser fundamental garantir «que os anseios destas empresas sejam escutados.» Emil Vasilev, dirigente do Institute of Certified Public Accountants da Bulgária (IDES), mostrou em Lisboa o modo como o seu país está a fazer a integração das diretivas de sustentabilidade, nomeadamente a referente à comunicação de informação sobre sustentabilidade das empresas, à luz da «redefinição» do relato desta natureza na Europa. Para Vasilev, o facto de o Parlamento do seu país ter votado o adiamento por um ano desta diretiva «é uma oportunidade para respirar, mas também cria alguma incerteza.» Berti Pashko apresentou uma panorâmica do compromisso do Institute of Certified Public Accountants da Albânia (IEKA) para com o desafio da sustentabilidade. Para o membro do conselho desta organização o futuro da sustentabilidade vai contribuir para a «boa governança, a integridade e a construção da confiança pública.»

Carlos Menezes representa a OCC na Comissão de Normalização Contabilística (CNC). O também presidente da comissão de história da contabilidade da Ordem disse que, no âmbito da sustentabilidade, «agir agora não é opcional, é estratégico.» Menezes acrescentou que «a conetividade, entre o relato financeiro e o relato de sustentabilidade, não pode esperar. Ambos têm de se fundir numa história coerente.»

Repensar a gestão e as lideranças

Após a pausa para café, novo painel e uma nova temática: «Repensar a Gestão no Mediterrâneo.» A moderação esteve a cargo do representante do Conseil National de l'Ordre des Experts-Comptables (CNOEC) de França, que destacou a «cultura profissional» existente nas organizações mediterrânicas.

Personalidade bem conhecida destas conferências de natureza internacional que a Ordem tem organizado nos últimos anos, Phillippe Arraou colocou o seu enfoque na dimensão humana: «Temos de cuidar muito das pessoas com quem trabalhamos e como gerimos os recursos humanos. A melhor forma de gerir pessoas é ter objetivos claros. Dar responsabilidades às pessoas, e fazer com que sintam parte integrando do negócio.» O ex-presidente do CNOEC de França elencou ainda a «responsabilidade e o reconhecimento» como pilares para a retenção de talento. Por seu turno, o italiano Massimo Ianni – representante da APRI International, organização que apoia profissionais e associações no desenvolvimento de políticas para a internacionalização – referiu que «repensar a gestão não é um slogan, é um quadro com diferentes componentes, que passa, sobretudo, por repensar as lideranças.»

Miguel Nolasco Palma também não fugiu ao tema da retenção do talento nas PME. O membro do comité executivo da consultora de contabilidade, fiscalidade e auditoria, DFK, advogou que «a chave passa pelo envolvimento dos colaboradores», sendo que «o compromisso com os jovens é central no contacto com as novas gerações.» E isto deve acontecer porque, sustentou, «as novas gerações não querem ser partners das empresas, querem a sua remuneração, mas mantendo a vida social e familiar.». Para rematar deixou uma pertinente questão que, na sua opinião, vai ser um tema global nos tempos mais próximos: «Quem vai liderar as organizações daqui a uns anos?»
 


Capacidades transversais

O penúltimo painel da jornada esteve subordinado ao tema «Reforço de capacidades e cooperação regional.» O grego Panagiotis Alamanos, responsável do IFAC para as organizações contabilísticas internacionais, aconselhou que estas entidades promovam «estratégias resilientes centradas nos membros e que sejam capazes de moldar o futuro da profissão.» Da ilha Mediterrânica de Malta viajou Maria Cauchi Delia. A CEO do Institute of Accountants, sediado em La Valeta, apresentou a entidade que lidera e que é constituída por 4500 membros. «Relevância e sustentabilidade», são objetivos que sustentam toda a sua estratégia. «Os profissionais devem ter, cada vez mais, capacidades transversais. E para mudar a imagem da profissão, nomeadamente ao nível do aconselhamento de carreira, estamos a desenvolver um programa de sensibilização nas escolas, nas universidades, junto dos reguladores e outras autoridades oficiais», sintetizou a dirigente maltesa.

Sami Soumri, secretário-geral da Ordem dos Contabilistas da Tunísia (OCT), dissertou sobre as oportunidades para a cooperação profissional e também sobre a formação no seu país. «Só com partilha, cooperação e conjugação de esforços podemos avançar de forma célere. Nenhum organismo profissional pode progredir isoladamente», disse Soumri, que fazendo um «apelo à ação», sugeriu ainda a criação do Observatório do Mediterrâneo para a Formação em Contabilidade.  Perante a emergência de novos riscos, o dirigente do Norte de África identificou o contabilista certificado como «o garante da informação financeira e da estabilidade económica dos países.»

Caitriona Allis é a head of Europe da Association of Chartered Certified Accountants (ACCA), uma entidade global, que agrega 250 mil membros e que é fiel ao mote «pessoas fortes e instituições fortes criam uma profissão forte.» A irlandesa, após ter reiterado o compromisso com o interesse público, identificou como principais tendências, «a alteração dos standards, a competitividade pela atração de talento e a transformação digital.» 
A moderação do painel esteve a cargo de Nazmi Plana, Society of Certified Accountants and Auditors of Kosovo (SCAAK), que enfatizou a «cooperação regional» como a pedra angular da dinâmica da FCM.

Um pacto que é um sinal de «esperança»

O Pacto para o Mediterrâneo é uma nova iniciativa da UE, apresentada a 16 de outubro deste ano, que pretende renovar e aprofundar as relações do «velho» continente com os países do sul do Mediterrâneo. Trata-se de uma estratégia ambiciosa para criar um “Espaço Mediterrânico Comum” — ou seja, um quadro de cooperação mais integrado entre os países do Norte e do Sul do Mediterrâneo. Contudo, este compromisso vai muito para além de um mero documento, traduzindo-se num conjunto de intenções e políticas que deverão concretizar-se em projetos objetivos, incluindo a cooperação económica, social, energética, educativa, ambiental e em matéria de migrações. 

Foi precisamente este o tema do último painel da conferência OCC/FCM e que teve como convidada especial, sob a forma de mensagem gravada, a comissária da UE para o Mediterrâneo, Dubravka Suica. O pacto, que será formalmente assinado a 28 de novembro, em Barcelona, assenta em três pilares: uma centralidade assente nas pessoas, as competências ao nível das oportunidades de emprego e um espaço comum para partilhas profissionais e, finalmente, tirar o melhor partido das economias, fortalecendo as cadeias de produção e distribuição. «Melhorar a conetividade global, promover emprego de qualidade e aproveitar o provável efeito “spill over”», foram objetivos elencados pela comissária croata, contando para isso com as melhores práticas profissionais desenvolvidas pelos contabilistas certificados dos países mediterrânicos. 

Nelson Ferreira encerrou o painel considerando que o Pacto para a região é um sinal de «esperança», adiantando que o projeto da Universidade do Mediterrâneo poderá ser de grande utilidade para a formação específica dos profissionais da contabilidade e da fiscalidade.

Sofia Baião Horta declarou que o pacto para o Mediterrâneo vai permitir uma «prosperidade partilhada» e que a comunidade empresarial deve estar intimamente ligada a este compromisso. Para a responsável da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) para a área das relações internacionais, a «dimensão e a voz mediterrânica» devem ser reconhecidas na agenda política mais ampla da UE. A jurista lembrou ainda que Portugal assumirá, em 2027, a presidência da MED-9. Criada em 2013, a aliança dos MED9 junta nove países – Portugal, Croácia, Chipre, França, Grécia, Malta, Itália, Eslovénia e Espanha – que fazem parte da bacia mediterrânica, do euro e do espaço Schengen (à exceção do Chipre). Este grupo foi constituído para promover a cooperação em questões de interesse comum, como a migração, alterações climáticas e estabilidade económica e regional.

As derradeiras palavras pertenceram ao presidente da FCM. Nelson Ferreira falou do «início de uma nova era», identificando o Pacto para o Mediterrâneo como um «impulso para novas conquistas.» No que diz respeito ao futuro dos contabilistas certificados, salientou a «especialização no relato de sustentabilidade» como um passo central para adicionar valor para a profissão.