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Inventários
8 November 2022
Inventários
PT27204 - outubro de 2022

Determinada empresa, no ramo aeronáutico, pretende deslocalizar a sua atividade para Portugal. Vende produtos/peças em segunda mão de aviões desmantelados, adquiridos no estrangeiro. O seu mercado é o Médio Oriente, Ásia e América do Sul. A empresa adquire estes aviões e depois vende as peças deste avião para estes mercados. Poderá eventualmente colocar também peças de outros fornecedores a consignação para estes mercados.
A primeira questão prende-se com o inventário deste tipo de mercado, uma vez que a empresa adquire o avião completo, desmantela e vende as peças do mesmo em separado. Como quantificar e contabilizar o avião e as peças provenientes desta operação?
A segunda questão tem a ver com as despesas provenientes de representação para negócio nestes países. Muitos destes países não têm sistema bancário, contabilidade, não passam fatura e muito menos documentos com NIF. Se a empresa se deslocar a estes eventos e reuniões e tiver de levantar dinheiro líquido para fazer face às suas despesas nestas deslocações e não houver documento legal justificativo (fatura com NIF) como proceder à sua dedução e inclusão na contabilidade como custos inerentes à atividade da mesma?

Parecer técnico

O pedido de parecer está com o tratamento contabilístico da aquisição de bens (avião) para desmantelamento e venda das peças. É também questionado a aceitação dos gastos suportados com deslocações, nas situações em que não há documentos ou estes não estão de acordo com os requisitos legais.
Considerando que não é indicado o normativo contabilístico adotado pela entidade, atendendo às questões colocadas, iremos abordar esta temática no âmbito das normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) previstas no Aviso n.º 8256/2015, de 29 de julho.
A aquisição de aviões usados para revenda, após desmantelamento, deve ser classificada como inventários, com tratamento previsto na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) 18 - Inventários.
Os bens de inventários adquiridos devem ser mensurados pelo custo de aquisição, que inclui o preço de compra, o IVA não dedutível e outros encargos diretamente relacionados com a aquisição do item, conforme o parágrafo 11 da NCRF 18.
Para além do custo de aquisição os inventários podem incluir os respetivos custos de conversão, nos termos dos parágrafos 12 a 14 da NCRF 18, o que acontecerá no caso em apreço, dado que os aviões não são vendidos no mesmo Estado. Estes sofrem um processo de transformação que resulta na obtenção de vários itens de inventário a partir de um só.
Os custos de conversão dos bens de inventário produzidos pela própria entidade incluem os custos diretamente relacionados com essa produção, tais como os materiais consumidos, a mão-de-obra direta e os gastos gerais de fabrico (fixos e variáveis).
Os custos da matéria direta a serem incorporados na produção são os custos destes materiais consumidos, que são determinados em função da fórmula de custeio de saída de inventários utilizado pela empresa.
Os custos com a mão-de-obra direta são os gastos com o pessoal que efetuam diretamente a produção dos inventários (produtos acabados).
Os gastos gerais de produção variáveis são os custos indiretos de produção que variam diretamente, ou quase diretamente, com o volume de produção tais como materiais indiretos, como por exemplo as matérias subsidiárias, o consumo de eletricidade ou de combustível de uma máquina.
Os gastos gerais de produção fixos são os custos indiretos de produção que permaneçam relativamente constantes independentemente do volume de produção, tais como a depreciação e manutenção de edifícios e de equipamento da oficina e os custos de gestão e administração da oficina.
A determinação do custo de produção dos inventários deve ser suportada por um sistema de contabilidade analítica (de gestão ou de custos, mais ou menos elaborada dependendo da quantidade de itens e da dimensão da entidade), no sentido de identificar e imputar os gastos com essa produção ao custo dos produtos acabados, nomeadamente através de folhas de obra (ou documento interno «preparação para venda»).
Os custos diretos e os custos indiretos variáveis são de mais fácil identificação e imputação ao custo dos produtos acabados, sendo possível com um controlo mínimo dos respetivos consumos na produção de cada bem, fazer essa imputação.
Os exemplos desses custos são: as matérias-primas consumidas no período (matéria direta), os gastos com o pessoal da produção (mão-de-obra direta) e mesmo o consumo das matérias subsidiárias, eletricidade das máquinas e outros gastos gerais de fabrico que variem em função da produção de cada bem.
Por outro lado, os custos indiretos fixos (gastos gerais de fabrico fixos) sempre foram o principal problema na determinação do custo dos produtos acabados, tendo sido criados e utilizados vários sistemas de custeio nessa determinação, como por exemplo o sistema de custeio total, o sistema de custeio variável e o sistema de custeio racional.
A NCRF 18 vem impor a utilização do sistema de custeio racional na imputação dos gastos gerais de fabrico fixos ao custo de produção, conforme disposto no parágrafo 13 dessa norma contabilística.
O sistema de custeio racional, que é o método em que o custo dos produtos a produzir pela empresa, inclui, para além de todos os custos variáveis (diretos e indiretos) de produção, uma parte dos custos fixos, que resultará da proporção apurada entre a capacidade de produção real e a capacidade normal.
A capacidade normal de produção é a que resulta da produção que se pretende utilizar continuamente.
Após se determinar qual o montante dos custos fixos a imputar a cada produto, aplica-se a proporção do sistema de custeio racional, para determinar qual os montantes desses custos fixos deverão ser incluídos no custo de produção desses produtos e qual o montante que será reconhecido como gasto do período.
Tal como referimos acima, a aplicação deste processo deverá ser ponderada em função da situação concreta da entidade e dentro do seu contexto de funcionamento.
Em termos sintéticos e simplistas, em causa estará o procedimento de «transformar» o custo dos aviões adquiridos no custo de cada uma das componentes obtidas a partir do seu desmantelamento (e atente-se neste processo ao disposto no parágrafo 14 da NCRF 18), e que irão posteriormente integrar a conta de "produtos acabados” para serem vendidas. A este custo serão adicionados os custos decorrentes dessa transformação, dessa conversão, nos termos referidos acima.
A aquisição dos aviões a desmantelar serão registadas na respetiva conta de matérias-primas, conta 33 - Mercadorias/matérias-primas, subsidiárias e de consumo, que saldará aquando do "consumo" da mesma por contrapartida da conta 612 - Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo (no caso tal corresponderá ao desmantelamento da mesma e transformação nos vários itens que serão vendidos).
Nas contas 34 - Produtos acabados e intermédios ou 36 - Produtos e trabalhos em curso, consoante o caso, serão registados os itens atendendo à "fase de produção” em que se encontrem, por contrapartida da conta 73 - Variações nos inventários da produção, tendo por base a folha de obra, ou documento interno, onde são efetuados os correspondentes registos (quer da "distribuição" do custo da viatura pelos vários componentes obtidos a partir da mesma, pelo seu desmantelamento, quer dos custos de conversão que lhes sejam imputáveis).
Despesas de representação e deslocação
Relativamente à aceitabilidade do gasto, somos a indicar os números 1, 3, 4 e 6 do artigo 23.º do CIRC que possuem atualmente a seguinte redação:
«(...)1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
(...)
3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se trate de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. (...)
6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previstos no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma (...).»
Com as alterações introduzidas pela Reforma do IRC (Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) terá sido eliminada a característica de indispensabilidade do gasto, dando agora primazia ao facto do gasto ser efetivamente incorrido no exercício da atividade do sujeito passivo. Por sua vez, são definidos requisitos mínimos quanto ao tipo de documento suporte da operação, sendo inclusivamente limitada a dedutibilidade fiscal do encargo quando este devendo ser suportado por fatura (porque a entidade emitente assim está obrigada) não o esteja.
Deste modo, para efeitos de IRC, os gastos dedutíveis têm que estar comprovados documentalmente através de fatura ou documento legalmente equiparado emitido nos termos do CIVA quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à sua emissão, ou, então, através de documento que contenha os elementos referidos no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC - como será o caso de aquisições de bens ou serviços a entidades estrangeiras.
Quer isto dizer que as aquisições de bens ou serviços prestados no estrangeiro, por fornecedores não residentes sem estabelecimento estável em Portugal a que se pode imputar essa operação, não necessitam de estar suportadas por faturas nos termos previstos no Código do IVA, para efeitos da dedução fiscal em IRC desses encargos pelo sujeito passivo adquirente nacional, bastando que se possa obter do documento em causa os referidos elementos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.