PT28638 - IRC / Gastos fiscais
Julho de 2025
Em maio de 2019 ocorreu um acidente de trabalho que provocou o falecimento de um colaborador. Na sequência desse acidente, foi colocado em tribunal um processo pela viúva do colaborador contra a empresa. Não foi dado conhecimento à contabilidade sobre este acontecimento, pelo que não foi registada nenhuma provisão. Em fevereiro de 2025 foi efetuado um pagamento de 133 725,22 euros à viúva do colaborador falecido correspondente a:
• Compensação por não danos não patrimoniais, no valor de 25 000 euros;
• Compensação pela perda do direito à vida, no valor de 70 000 euros
• Compensação por danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado, na quantia de 20 000 euros; e
• Pensão anual de 18 725,22 euros.
A questão que se coloca, neste momento, é como contabilizar este custo materialmente relevante referente a um exercício anterior?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico, do pagamento de uma indemnização no valor de 133 725,22 euros, em fevereiro de 2025, a viúva de um colaborador que faleceu ao serviço da entidade, no ano de 2019.
Não tendo sido referido qual o normativo contabilístico aplicado pela empresa, a questão será tratada com base das Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF), revistas no Aviso n.º 8256/2015, de 29 de julho. Em todo o caso, para o caso apresentado, o tratamento contabilístico é comum em todos os normativos.
Começamos por referir que a contabilidade deve basear-se nas operações realizadas no período, com o objetivo de se preparar e apresentar demonstrações financeiras que contenham a posição financeira e o desempenho económico verificado nesse período, independentemente de outros formalismos legais.
As demonstrações financeiras são uma representação estruturada da posição financeira e do desempenho financeiro de uma entidade, tendo por objetivo o de proporcionar informação acerca da posição financeira, do desempenho financeiro e dos fluxos de caixa de uma entidade que seja útil a uma vasta gama de utentes na tomada de decisões económicas, devendo representar a imagem verdadeira e apropriada da posição financeira e desempenho da entidade.
À preparação das demonstrações financeiras estão subjacentes determinados pressupostos, tais como o regime do acréscimo e a continuidade.
Nos termos do parágrafo 22 da Estrutura Concetual do Sistema de Normalização Contabilística, e quanto ao regime do acréscimo, a fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo.
Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem.
As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona-se informação acerca das transações passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas.
Ao ser usado o regime contabilístico de acréscimo, os itens são reconhecidos como ativos, passivos, capital próprio, rendimentos e gastos (os elementos das demonstrações financeiras) quando satisfaçam as definições e os critérios de reconhecimento para esses elementos contidos na Estrutura Concetual.
Assim, os factos patrimoniais ocorridos numa determinada entidade devem ser alvo de registo contabilístico no momento em que ocorram, independentemente do fluxo (influxo ou exfluxo) financeiro que possam causar, de forma a reportar informação mais pertinente na avaliação da performance passada e futura da entidade, em substituição de apresentar informação exclusiva sobre os fluxos de caixa.
No caso concreto, é-nos referido que a indemnização paga em 2025 refere-se a acontecimento (falecimento de colaborador) ocorrido em 2019, pelo que, importa validar se, nesse momento ou nos anos seguintes, estavam reunidas as condições para o reconhecimento de um gasto e correspondente passivo.
Refira-se que, nos termos do parágrafo 49 da Estrutura Concetual, um passivo é uma obrigação presente da entidade proveniente de acontecimentos passados, da liquidação da qual se espera que resulte um exfluxo de recursos da entidade incorporando benefícios económicos.
Por outro lado, a definição de gastos engloba perdas assim como aqueles gastos que resultem do decurso das atividades correntes (ou ordinárias) da entidade. s perdas representam outros itens que satisfaçam a definição de gastos e podem, ou não, surgir no decurso das atividades ordinárias da entidade. As perdas representam diminuições em benefícios económicos e como tal não são na sua natureza diferentes de outros gastos.
Em face do exposto, e nos termos já anteriormente transmitidos, os passivos devem ser reconhecidos quando for provável uma saída de recursos futuros incorporando benefícios económicos que resulte da liquidação de uma obrigação presente e que a quantia pela qual a liquidação tenha lugar possa ser mensurada com fiabilidade.
Este princípio geral de reconhecimento de passivos está transposto nas Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) que tratam de assuntos relacionados com passivos, como por exemplo, a NCRF 21 - Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes, e a NCRF 27 - Instrumentos financeiros.
A NCRF 21 trata do reconhecimento de provisões, que são passivos de tempestividade ou quantia incerta, ou seja, são obrigações presentes que implicam saídas futuras de recursos que incorporam benefícios económicos, mas para os quais não se conhece com certeza o momento ou quantia dessa saída de recursos.
A NCRF 27 trata do reconhecimento de passivos financeiros, decorrentes de obrigações contratuais de pagar dívidas a terceiros.
No que se refere ao tratamento contabilístico com o reconhecimento de uma provisão para um processo judicial em curso, como passivo e gastos, então esta resulta de existir uma obrigação presente que com probabilidade irá originar saída de recursos da empresa no futuro, e cujo custo possa ser estimado com fiabilidade, nos termos do parágrafo 13 da NCRF n.º 21 - Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes.
A obrigação presente resulta do facto de existir um processo judicial em curso, no período presente, que com probabilidade poderá originar a saída de fluxos no futuro.
De acordo com o parágrafo 15 da NCRF n.º 21, essa obrigação presente deverá ser determinada com ajuda de peritos, neste caso, dos advogados da entidade.
A probabilidade dessa obrigação presente vir a ocorrer deverá ser considerada se o acontecimento for mais provável, do que não, ocorrer, isto é, se a probabilidade do acontecimento ocorrer for maior do que a probabilidade de isso não acontecer, conforme previsto no parágrafo 22 da NCRF n.º 21. Na prática, se existir uma probabilidade de mais de 50 por cento, da entidade ter de vir a pagar a situação solicitada no processo judicial em curso, então estará cumprido este critério.
De acordo com o parágrafo 37, a estimativa desse passivo (e gasto) relacionado com a provisão de um processo judicial em curso poderá ser efetuada tendo por base juízos e opiniões dos referidos peritos independentes (advogados). Será, então, com base num relatório do advogado da entidade, que esta deverá verificar se estão cumpridos os requisitos para o reconhecimento da provisão.
Atendendo a que um processo em tribunal se poderá estender durante longo tempo, haverá que registar esse passivo (e gasto) pelo respetivo valor presente, atualizando os custos que se estimam incorrer com esse processo judicial o momento presente, nos termos do parágrafo 45 da norma.
Os registos contabilísticos relacionados com o reconhecimento da provisão relativa ao processo judicial em curso poderão ser os seguintes:
No momento presente, em que se estima que existe a obrigação presente:
Débito: 673 - Provisões do período - Processo judiciais em curso
Crédito: 293 - Provisões - Processos judiciais em curso
(pela estimativa, eventualmente o valor presente, do valor a pagar)
No momento do pagamento:
Débito: 293 - Provisões - Processos judiciais em curso
Crédito: 12 - Depósitos à ordem
(pelo uso da provisão, nos termos dos parágrafos 60 e 61 da NCRF n.º 21)
Se por alguma razão deixar de existir a obrigação presente referente ao processo judicial em curso, ou esta for reduzida, por se ter alterado a estimativa do valor a pagar, poderá reverter-se a provisão:
Débito: 293 - Provisões - Processos judiciais em curso
Crédito: 7633 - Reversões - De provisões - Processos judiciais em curso
(pela anulação ou redução da provisão)
Por outro lado, se o advogado da entidade estimar que a probabilidade de se vir a pagar é apenas possível, mas não provável, ou seja, sendo a probabilidade inferior a 50 por cento, então, a entidade não deverá reconhecer a referida provisão, devendo apenas divulgar nas notas do anexo, a existência do passivo contingente, conforme previsto nos parágrafos 26 a 29 da NCRF n.º 21.
Ainda, se o advogado prevê que a obrigação presente de vir a pagar é apenas remota, não haverá que fazer nada: nem reconhecer a provisão, nem divulgar passivo contingente.
No caso concreto, partindo do pressuposto que, em 2019 ou em qualquer um dos anos seguintes (até 2024) existiria a certeza razoável da probabilidade de a entidade ter de suportar o montante da indemnização, e não tendo sido reconhecida qualquer provisão, estamos perante um erro contabilístico.
A respeito da correção de erros, importa analisar a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 4 - Políticas Contabilísticas, Alterações nas Estimativas Contabilísticas e Erros. De acordo com o parágrafo 5 desta norma, erros de períodos anteriores são omissões, e declarações incorretas, nas demonstrações financeiras da entidade de um ou mais períodos anteriores decorrentes da falta de uso, ou uso incorreto, de informação fiável que estava disponível quando as demonstrações financeiras desses períodos foram autorizadas para emissão; e poderia razoavelmente esperar-se que tivesse sido obtida e tomada em consideração na preparação e apresentação dessas demonstrações financeiras.
Tratando-se da correção de um erro material, a correção deste erro é excluída dos resultados do período em que o erro é descoberto (parágrafo 41 da NCRF 4).
O erro é considerado material se puder influenciar as decisões económicas dos utentes, tomadas com base nas demonstrações financeiras, dependendo da dimensão e natureza do item.
De acordo com o parágrafo 37 da NCRF 4, sendo praticável, a entidade deve corrigir os erros materiais de períodos anteriores retrospetivamente a primeiro conjunto de demonstrações financeiras aprovadas após a sua descoberta:
a) Reexpressando as quantias comparativas para o(s) período(s) anterior(es) apresentado(s) em que tenha ocorrido o erro; ou
b) Se o erro ocorreu antes do período anterior mais antigo apresentado, reexpressando os saldos de abertura dos ativos, passivos e capital próprio para o período mais antigo apresentado.
Se for considerado material, a correção deste erro deve ser refletida nos resultados transitados (conta 56). Sendo considerado imaterial, a correção deste erro deve ser refletido nos resultados do período corrente (p.e. conta 6881 ou 7881).