Pareceres
IRC - Tributação autónoma
18 Agosto 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

 

IRC - Tributação autónoma
PT28590 – maio de 2025

 

Uma empresa que se dedica a remodelações de construção civil, pretende adquirir uma viatura mista de seis lugares. O objetivo da carrinha seria levar o material de obra e os funcionários da sede para os locais das obras.
A AT entende como viatura de mercadorias até três lugares. No entanto, neste caso, devido à grande carroçaria e à necessidade de deslocação do material junto com os funcionários, pode considerar-se como viatura de mercadorias? Será isenta de tributação autónomas?

 

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal, em sede de IRC, das despesas suportadas com uma viatura.
No caso em concreto, apesar de a questão ser referente às tributações autónomas, dada a relevância do tema, iremos também efetuar o enquadramento em sede de IVA.
Em sede de IVA, as transmissões de bens e as prestações de serviços realizadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, são operações abrangidas pela incidência do IVA, conforme resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA (CIVA).
Neste sentido, os conceitos de transmissão de bens e de prestação de serviços encontram-se, respetivamente, nos artigos 3.º e 4.º do CIVA.
Para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado, deve observar-se o disposto no artigo 19.º e seguintes do CIVA.
Genericamente, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, os sujeitos passivos podem deduzir, ao imposto por si liquidado nas operações tributáveis que realizaram, o imposto contido nas aquisições de bens e serviços a outros sujeitos passivos, nas importações de bens e nas demais operações por si praticadas elencadas nesta norma.
O imposto suportado apenas é suscetível de dedução quando referente a operações em que o sujeito incorreu para a realização das operações por si praticadas e suscetíveis de tributação em sede deste imposto, nos termos do artigo 20.º do CIVA.
Contudo, não obstante o exposto, a natureza de determinados bens e/ou serviços pode revestir um carácter misto de utilização pessoal versus profissional, ou seja, fora do âmbito e no âmbito do exercício de uma atividade económica.
Neste sentido, o artigo 21.º do CIVA estabelece situações em que um sujeito passivo de imposto não poderá exercer o direito à dedução.
De acordo com o citado n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, exclui-se, do direito à dedução o imposto contido nas despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos.
É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor.
Não obstante, o n.º 2 do mesmo artigo determina que não se verifica a exclusão do direito à dedução no caso das despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objeto de atividade do sujeito passivo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda.
Contudo, neste caso, entendemos que não será aplicável o citado n.º 2.
Assim, de acordo com o exposto, estando perante uma viatura considerada uma viatura ligeira de passageiros, não se poderá deduzir o respetivo o IVA. Esta exclusão do direito à dedução abrange não só o IVA suportado na aquisição, mas também o IVA relativo a operações de locação financeira, ALD, renting, bem como todas as despesas suportadas com essas viaturas.
Tem sido entendimento da direção de serviços do IVA que as viaturas classificadas como «ligeiras de mercadorias» poderão ainda ser consideradas como «viaturas de turismo» para efeito da exclusão do direito à dedução, desde que tenham mais de três lugares (conforme descrição do respetivo livrete), dado que não se destinam exclusivamente ao transporte de mercadorias.
Vejamos um exemplo, nos termos da informação vinculativa - processo n.º 12 860, de 8 de dezembro de 2017, que nos transmite o seguinte:
«14. Na situação apresentada, está em causa a aquisição de uma viatura ligeira de mercadorias, cujo direito à dedução do IVA suportado na aquisição deste tipo de viaturas foi objeto de instruções administrativas divulgadas no Ofício-Circulado n.º 30 152/2013, de 2013/10/16, que, no ponto 6, refere o seguinte: "Para efeitos da exclusão do direito à dedução prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, é considerada viatura de turismo, por não se destinar unicamente ao transporte de mercadorias, qualquer viatura ligeira que possua mais de três lugares, com inclusão do condutor".
15. Deste modo, "não confere direito à dedução o imposto contido nas despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas com mais de três lugares, com inclusão do condutor ainda que o «tipo de veículo» inscrito no certificado de matrícula seja «mercadorias»", cf. ponto 7 do Ofício-circulado atrás referido.
16. No caso apresentado, atendendo à viatura em causa, ligeira de mercadorias, de 6 lugares com inclusão do condutor e, não fazendo, a mesma, parte do objeto da atividade do sujeito passivo, o IVA suportado na respetiva aquisição, nas respetivas despesas de conservação, reparação e manutenção, não é dedutível.»
Na situação em análise deverá verificar, pelo tipo de viatura em questão e face à atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, se haverá efetivamente a possibilidade de deduzir o imposto suportado. Contudo, sendo uma viatura mista com seis lugares, estando perante uma viatura de turismo, para efeitos da definição e entendimentos da AT para efeitos do IVA, o imposto apenas seria dedutível se fosse aplicável o n.º 2 do artigo 21.º do CIVA.
No que respeita à tributação autónoma e de acordo com o n.º 3 do artigo 88.º do Código do IRC (CIRC), são tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, às seguintes taxas (taxas em vigor desde 1 de janeiro de 2025):
- 8 por cento no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a 37 500 euros;
- 25 por cento no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 37 500 euros e inferior a 45 000 euros;
- 32 por cento no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 45 000 euros.
Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização (n.º 5 do artigo 88.º do CIRC).
Deixamos algumas referências a um entendimento emanado pela DSIECIV - DIV - Divisão do Imposto sobre os Veículos sobre esta temática.
A alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), a que se refere o n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, diz respeito a um reduzido número de ligeiros de mercadorias que são tributados à taxa normal da tabela A. Estes veículos, com mais de três lugares e caixa fechada, assemelham-se aos ligeiros de passageiros, mas são classificados como de mercadorias, são disso exemplo, Renault Kangoo (4 lugares), Opel Combo Van (5 lugares), Peugeot 208 (4 lugares), Fiorino (4 lugares), etc.
Na grande maioria, os ligeiros de mercadorias são tributados pela tabela B do CISV, que tem em conta apenas a cilindrada, pelo que os mesmos não se inserem na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do CISV.
A seguir indicamos os ligeiros de mercadorias a que não é aplicável a tributação autónoma:
- Automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e altura interior da caixa de carga inferior a 120 cm (abrangidos pela tabela B);
- Automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e tração às quatro rodas, permanente ou adaptável (abrangidos pela tabela B);
- Automóveis ligeiros de utilização mista que, cumulativamente, apresentem peso bruto superior a 2 300 quilos, comprimento mínimo da caixa de carga de 145 cm, altura interior mínima da caixa de carga de 130 cm medida a partir do respetivo estrado, que deve ser contínuo, antepara inamovível, paralela à última fiada de bancos, que separe completamente o espaço destinado ao condutor e passageiros do destinado às mercadorias, e que não apresentem tração às quatro rodas, permanente ou adaptável (abrangidos por taxas reduzidas);
- Automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa aberta ou sem caixa, com lotação superior a três lugares, incluindo o do condutor e sem tração às quatro rodas, permanente ou adaptável (abrangidos por taxas reduzidas);
- Automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa aberta, fechada ou sem caixa, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, com exceção dos abrangidos pelo n.º 2 do artigo 7.º (abrangidos por taxas reduzidas);
- Veículos fabricados antes de 1970 (abrangidos por taxas intermédias);
- Automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa aberta ou sem caixa, com lotação superior a três lugares, incluindo o do condutor que apresentem tração às quatro rodas, permanente ou adaptável (abrangidos por taxas intermédias).
Na prática esta distinção pode ser relativamente simples, se estivermos perante veículos novos. No caso de veículos adquiridos em estado de uso, ou perante a frota de veículos existentes no ativo da entidade a aferição da sujeição, ou não, da tributação autónoma das viaturas ligeiras de mercadorias pode levantar dúvidas.
Como forma de dissipar as incertezas, aconselhamos a consulta no simulador de cálculo do imposto sobre veículos, através desta ligação
Poderá ainda consultar a Informação Vinculativa - Processo n.º 750/2015, com despacho do dia 7 de outubro de 2015, a qual se transcreve:
«No sentido de esclarecer dúvidas suscitadas pela alteração operada pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro, ao n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, relativo à tributação autónoma, no qual se passou a incluir as viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do CISV, aplicável aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2015, foi, por despacho de 17 de abril de 2015 da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, sancionado o seguinte entendimento:
1. Por força da remissão do n.º 3 do artigo 88.º do CIRC para a alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do CISV no que respeita às viaturas ligeiras de mercadorias, deverá considerar-se que o legislador pretendeu enquadrar na tributação autónoma os encargos efetuados ou suportados com veículos ligeiros de mercadorias que não sejam tributados pela taxa intermédia ou pelas taxas reduzidas previstas, respetivamente, nos artigos 8.º, n.º 3 e 9.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CISV.
2. Trata-se de veículos que, embora sejam homologados tecnicamente pela entidade competente (Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.) como "ligeiros de mercadorias" (considerados da categoria N1 - veículos concebidos e construídos para o transporte de mercadorias com massa máxima não superior a 3,5 t), assemelham-se pelas características específicas com que se apresentam (de que se destaca desde logo a carroçaria e a lotação de 4 ou 5 lugares) como ligeiros de passageiros, razão pela qual são tributados em sede de ISV pela taxa normal da tabela A, sendo-lhes aplicável idêntico tratamento ao previsto para os automóveis de passageiros -vide artigo 7.º, n.º 1, alínea a) do CISV.
3. Para aferir se os encargos relativos a um determinado veículo ligeiro de mercadorias está ou não sujeito a tributação autónoma em sede de IRC (artigo 88.º, n.º 3 do CIRC), torna-se necessário proceder à sua classificação fiscal à luz dos critérios constantes do CISV (tomando em consideração designadamente, o tipo de caixa, a lotação, o número de eixos motores, etc.) por forma a aquilatar se o mesmo reúne ou não as características que o enquadrem no âmbito da previsão das citadas normas, ou seja, é determinante saber se o mesmo está ou não sujeito à taxa intermédia ou taxas reduzidas.
4. Nesta linha de raciocínio, caso o veículo seja tributado pela taxa intermédia prevista no artigo 8.º, n.º 3 ou por uma das taxas reduzidas a que se refere o artigo 9.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 (ambos do CISV), estará desde logo afastado da tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 3 do CIRC.
5. No que respeita aos veículos ligeiros de mercadorias a que se refere o n.º 2 do artigo 7.º do CISV, aos quais é aplicável a taxa normal da tabela B (100%) e ainda que a estes não se apliquem nem a taxa intermédia nem as taxas reduzidas, não estão abrangidos pela tributação autónoma a que se refere o artigo 88.º, n.º 3 do CIRC, dado que o legislador nesta última disposição legal expressamente remeteu apenas para a alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do CISV.
6. Assim, concluindo, estão sujeitos à tributação autónoma prevista no n.º 3 do artigo 88.º do CIRC as viaturas ligeiras de mercadorias que para efeitos de ISV sejam tributadas às taxas normais deste imposto, ou seja, as previstas na tabela A constante do n.º 1 do artigo 7.º do respetivo código.»
Perante o exposto, sugerimos que, além da análise do certificado de matrícula, deverá, junto da Autoridade Tributária verificar qual a classificação das viaturas no âmbito do CISV, pois, possuindo informação sobre a tabela a que as mesmas estão sujeitas, conseguirá facilmente determinar a sujeição a tributação autónoma. Pelo que, sendo uma viatura ligeira de mercadorias com mais de três lugares, tributada à taxa normal da tabela B a que se refere o n.º 2 do artigo 7.º do CISV, não está sujeita a tributação autónoma.
Por fim, sugerimos a leitura do guia prático sobre as tributações autónomas, disponibilizado pela OCC, nomeadamente, no ponto «2.2.1 - Tributação autónoma sobre viaturas», o qual poderá encontrar nesta ligação
Cumpre ainda notar que os enquadramentos para efeitos de IVA e de tributação autónoma, em sede de IRC, são distintos, devendo os mesmos ser analisados independentemente.