IRC - Benefícios fiscais (DLRR)
PT28509 - março 2025
Determinada empresa utilizou o benefício fiscal da dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR) no ano de 2020 no valor de imposto não pago, em resultado da DLRR, de 38 500 euros. Só conseguiu concretizar em aplicações relevantes no ano 2023 o valor resultante em imposto não pago de 34 501 euros.
Os juros compensatórios, acrescidos de 15 por cento, a serem calculados sobre o valor não utilizado (34 501 euros), são contados a partir do ano 2020 ou a partir do ano 2023?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal do benefício fiscal da dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR).
A questão colocada refere-se ao cálculo dos juros compensatórios por incumprimento dos investimentos no âmbito da DLRR.
A respeito do benefício em análise, cumpre desde logo notar que a DLRR foi revogada com a publicação do Orçamento do Estado para 2023 pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, nomeadamente no seu artigo 281.º - «Norma revogatória».
Previamente à sua revogação, a DLRR constava, na redação em vigor até 31 dezembro de 2022, no Capítulo IV (artigos 27.º ao 34.º) do Código Fiscal do Investimento (CFI).
Podiam beneficiar da DLRR os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, bem como os sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável neste território, que exercessem, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, que preenchessem, cumulativamente, as seguintes condições, conforme artigo 28.º do CFI:
- Fossem micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003;
- Dispusessem de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;
- O seu lucro tributável não fosse determinado por métodos indiretos;
- Tivessem a situação fiscal e contributiva regularizada.
Nos termos do n.º 1 do artigo 29.º do CFI, os referidos sujeitos passivos podiam deduzir à coleta do IRC até 10 por cento dos lucros retidos que fossem reinvestidos em aplicações relevantes, no prazo de quatro anos contado a partir do final do período de tributação a que correspondessem os lucros retidos.
A referida dedução poderia ser feita até à concorrência de 25 por cento da coleta do IRC. No caso dos sujeitos passivos que fossem micro e pequenas empresas, a dedução poderia ser feita até à concorrência de 50 por cento da coleta do IRC (números 3 e 4 do artigo 29.º do CFI).
A DLRR resultava, assim, em deduções diretas à coleta (e não ao rendimento tributável), pelo que se materializava no campo 355 do quadro 10 (e não no campo 774 do quadro 07) da declaração periódica de rendimentos (modelo 22).
O artigo 31.º do CFI previa uma limitação à utilização da DLRR, determinando que este benefício não era cumulável, relativamente às mesmas aplicações relevantes elegíveis, com quaisquer outros benefícios fiscais ao investimento da mesma natureza, exceto com o regime de benefícios contratuais e com o RFAI, desde que não fossem ultrapassados os limites máximos aplicáveis aos auxílios estatais com finalidade regional.
Nos termos do artigo 32.º do CFI, com a epígrafe «Reserva especial por lucros retidos e reinvestidos», os sujeitos passivos que beneficiassem da DLRR deveriam proceder à constituição, no balanço, de uma reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos, não podendo essa reserva especial ser utilizada para distribuição aos detentores do capital antes do fim do quinto período posterior ao da sua constituição, sem prejuízo dos demais requisitos legais exigíveis.
No que respeita às aplicações relevantes, para efeitos da DLRR, estas eram definidas pelo artigo 30.º do CFI. Determinava o n.º 1 do citado artigo que se consideravam aplicações relevantes, nomeadamente, os ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:
«a) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projetos de indústria extrativa;
b) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas;
c) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, salvo quando afetas à exploração de serviço público de transportes ou destinadas a serem alugadas no exercício da atividade normal do sujeito passivo, barcos de recreio e aeronaves de turismo;
d) Artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;
e) Ativos afetos a atividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do setor público.»
Considera-se investimento realizado em aplicações relevantes o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis ou ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso. Neste sentido, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso.
As aplicações relevantes em que seja concretizado o reinvestimento dos lucros retidos devem ser detidas e contabilizadas de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade, por um período mínimo de cinco anos, conforme imposto pelo n.º 6 do artigo 30.º do CFI.
A dedução à coleta no âmbito da DLRR é justificada por documento a integrar o processo de documentação fiscal («dossiê fiscal») a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, que identifique discriminadamente o montante dos lucros retidos e reinvestidos, as aplicações relevantes objeto de reinvestimento, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes.
A contabilidade dos sujeitos passivos de IRC beneficiários da DLRR deve evidenciar o imposto que deixou de ser pago em resultado da dedução à coleta, mediante menção do valor correspondente no anexo (ou na informação adicional/complementar ao balanço, no caso de entidades que adotem o regime contabilístico para as microentidades) relativo ao período em que se efetua a dedução, conforme n.º 2 do artigo 33.º do CFI.
Note-se que, de acordo com a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, a DLRR apenas será aplicável relativamente a investimentos iniciais, considerando-se como tal os investimentos relacionados:
- Com a criação de um novo estabelecimento;
- Com o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente;
- Com a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento; ou
- Com uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
Conforme dispõe o artigo 9.º da referida Portaria, a DLRR não é aplicável ao reinvestimento de lucros retidos nos setores da pesca, da aquicultura e da produção agrícola primária e não podem ainda beneficiar da DLRR os sujeitos passivos que:
- Estejam sujeitos a uma injunção de recuperação na sequência de uma decisão da Comissão Europeia, ainda pendente, que declare um auxílio ilegal e incompatível com mercado interno;
- Sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos do parágrafo 18 do artigo 2.º do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC). Considera-se uma «empresa em dificuldade», por exemplo, se mais de metade do seu capital social subscrito tiver desaparecido devido a perdas acumuladas.
Em caso de incumprimento, é o artigo 34.º do CFI que prevê as penalizações aplicáveis.
Por fim, e como referido inicialmente, recordamos que a DLRR foi revogada com o Orçamento do Estado para 2023 (Lei n.º 24-D/2022) pelo que o último período em que este benefício pôde ser aproveitado foi o período de 2022, devendo os investimentos em aplicações relevantes ser concretizados nos períodos de 2023 a 2026.
Efetuado o enquadramento genérico do regime da DLRR, analisemos agora as questões colocadas.
Em caso de incumprimento do investimento, note-se que nos termos da alínea b) do artigo 34.º do CFI, sem prejuízo do disposto no Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 15 de junho, «[o] incumprimento do disposto nos números 5, 6 ou 7 do artigo 30.º implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente aos ativos relativamente aos quais não seja exercida a opção de compra ou que sejam transmitidos antes de decorrido o prazo de cinco anos, o qual é adicionado ao montante de imposto a pagar relativo ao período em que se verifiquem esses factos, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais.»
Os juros compensatórios visam indemnizar o Estado pelo atraso na cobrança do imposto em razão do incumprimento do sujeito passivo, contando-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração ou do dia imediato ao termo do prazo de pagamento até ao termo do prazo para a entrega da declaração de rendimentos ou da sua autoliquidação, se anterior, conforme os números 2 e 3 do artigo 102.º do CIRC e artigo 35.º da Lei Geral Tributária.
A taxa dos juros compensatórios corresponde à taxa dos juros legais prevista no n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil em vigor à data em que se tiver iniciado o retardamento da liquidação ou do pagamento do IRC, conforme o n.º 10 do artigo 35.º da LGT. Atualmente a taxa de juro legal é de 4%/ano, conforme a Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
No caso em concreto, à taxa de 4 por cento acrescem-se 15 pontos percentuais, perfazendo uma taxa anual de 19 por cento. A fórmula para cálculo dos juros compensatórios é: imposto x taxa de juros compensatórios x n.º dias/365.
Em resposta à questão em concreto, notamos que os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração ou do dia imediato ao termo do prazo de pagamento até ao termo do prazo para a entrega da declaração de rendimentos ou da sua autoliquidação, se anterior, conforme o artigo 102.º, números 2 e 3 do CIRC e artigo 35.º da Lei Geral Tributária.
Assim, o número de dias é determinado desde o fim do prazo de apresentação da declaração de 2020 até à data em que a falta que originou o atraso da liquidação for suprida, ou seja, na declaração modelo 22 com a retificação do incumprimento.
Na declaração de rendimentos modelo 22 a apresentar, deve ser devolvido o montante do imposto que deixou de ser liquidado no campo 372 do quadro 10 da modelo 22, nos termos da alínea b) artigo 34.º da CFI.
No que se refere aos juros compensatórios, este valor deve ser indicado no campo 366 do quadro 10 da declaração modelo 22.