Prestação de serviços de ensino à distância
28-08-2019
Um cliente de um CC tem uma empresa de psicologia que vai prestar serviços de ensino online para os Estados Unidos. O imposto é pago aqui ou tem de pagar lá ?Parecer técnico
Estamos perante uma empresa portuguesa que presta serviços de ensino à distância a adquirentes dos EUA. Como não nos indica a que imposto se refere a sua questão, iremos fazer o enquadramento em termos de IVA e IRC.
IVA
1 - Serviços prestados por via eletrónica a sujeitos passivos de imposto
Em sede de IVA, as prestações de serviços relacionadas com "... Serviços prestados por via eletrónica, nomeadamente os descritos no anexo D ao presente Código”, enquadram-se regra geral da alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, ou seja, segundo esta regra geral, a operação é tributada no Estado membro do adquirente, quando este seja sujeito passivo.
Assim, são considerados serviços prestados por via eletrónica, nomeadamente, os seguintes:
"ANEXO D - Lista exemplificativa dos serviços prestados por via eletrónica, a que se refere a alínea e) do n.º 12 do artigo 6.º
1 - Fornecimento de sítios informáticos, domiciliação de páginas web, manutenção à distância de programas e equipamentos.
2 - Fornecimento de programas e respetiva atualização.
3 - Fornecimento de imagens, textos e informações e disponibilização de bases de dados.
4 - Fornecimento de música, filmes e jogos, incluindo jogos de azar e a dinheiro, e de emissões ou manifestações políticas, culturais, artísticas, desportivas, científicas ou de lazer.
5 - Prestação de serviços de ensino à distância.”
Para a aplicação desta regra geral - alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, bastará verificar a qualidade dos sujeitos passivos intervenientes, não sendo relevante onde os serviços foram prestados (local onde se dá acesso à formação à distância).
Segundo esta regra geral, a operação é tributada no país do adquirente quando este seja sujeito passivo.
Deste modo, no caso dos adquirentes comunitários, é essencial que o adquirente forneça o seu número fiscal e esteja inscrito no VIES, Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA, para que esta regra de tributação no local do adquirente seja aplicada.
Nas prestações realizadas a adquirentes de países terceiros, há a observar se o adquirente é um sujeito passivo (nos termos do ponto III – Incidência Subjetiva do Ofício-Circulado n.º 30115/2009), tendo este que fazer prova dessa qualidade de sujeito passivo, confirmando que exerce uma atividade económica.
O conceito de sujeito passivo disposto no ponto III – Incidência Subjetiva do Ofício-Circulado n.º 30115/2009, passou a abranger as pessoas singulares e coletivas estabelecidas fora da Comunidade, desde que seja feita prova dessa qualidade.
A menção que deverá constar na fatura emitida pela entidade portuguesa será: "IVA - autoliquidação" - Norma aplicável: "alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA (a contrario) " – Ofício-Circulado n.º 30136, de 19-11-2012.
Deverá, ainda, inscrever o valor tributável da operação no Campo 07 (no caso dos adquirentes comunitários) ou no Campo 08 (no caso dos adquirentes de países fora da Comunidade Europeia, desde que tais serviços não sejam cá utilizados ou a sua exploração efetiva ocorra fora do território nacional) do Quadro 06 da Declaração Periódica.
Contudo, somos ainda a referir a existência de uma exceção a esta regra (conforme alteração dada à redação da alínea d) do n.º 12 do artigo 6.º), quando o adquirente dos serviços seja uma pessoa (sujeito passivo ou particular) estabelecida ou domiciliada fora da União Europeia, e desde que tais serviços sejam utilizados ou a sua exploração efetiva ocorra em território nacional – neste caso estes serviços serão aqui localizados.
Para se aferir acerca da utilização e exploração efetiva, foram aditados os números 14 e 15 do artigo 6.º do Código do IVA, que para melhor compreensão transcrevemos:
"14 - Para efeitos da alínea d) do n.º 12, considera-se que a utilização e exploração efetivas ocorrem no território nacional em situações em que a presença física neste território do destinatário direto dos serviços seja necessária para a prestação dos mesmos, nomeadamente, quando os mesmos sejam prestados em locais como cabines ou quiosques telefónicos, lojas abertas ao público, átrios de hotel, restaurantes, cibercafés, áreas de acesso a uma rede local sem fios e locais similares.
15 - Sendo o destinatário dos serviços uma pessoa que não seja um sujeito passivo dos referidos no n.º 5 do artigo 2.º, para além das situações abrangidas pelo número anterior, considera-se que a utilização e exploração efetivas ocorrem no território nacional quando se situar neste território o local em que aquele disponha de uma linha fixa instalada, o local a que pertença o indicativo da rede móvel de um módulo de identificação de assinante (cartão SIM), ou o local em que esteja situado um descodificador ou dispositivo similar ou, sendo este local desconhecido, para onde tenha sido remetido um cartão de visualização, através dos quais os serviços de telecomunicações, de radiodifusão ou televisão ou os serviços por via eletrónica sejam prestados.”
Assim, quando estamos perante serviços em que o adquirente / destinatário dos mesmos é residente num país terceiro (quer seja sujeito passivo ou consumidor final), em que seja possível confirmar que o local de utilização e exploração efetiva ocorre em Portugal, nos termos da alínea d) do n.º 12 do artigo 6.º do CIVA, a liquidação do imposto é efetuada na declaração periódica de IVA (nacional), aplicando-se a correspondente taxa de imposto (23%) prevista no artigo 18.º do CIVA.
Na declaração periódica do IVA, o valor da prestação de serviços deverá ser mencionado no campo 3 do quadro 06, enquanto o imposto deverá constar no campo 4 do mesmo quadro 06, de acordo com a taxa de imposto aplicável.
2 - Serviços prestados por via eletrónica a não sujeitos passivos de imposto (particulares)
No que diz respeito às prestações de serviços efetuadas a não sujeitos passivos, somos a referir o Decreto-Lei n.º 158/2014, de 24 de outubro, que veio alterar o Código do IVA e aprovou o novo regime especial do IVA para sujeitos passivos não estabelecidos no Estado membro de consumo ou não estabelecidos na Comunidade que prestem serviços de telecomunicações, de radiodifusão ou televisão e serviços por via eletrónica a pessoas que não sejam sujeitos passivos, estabelecidas ou domiciliadas na Comunidade, transpondo parcialmente para o ordenamento jurídico interno o artigo 5.º da Diretiva n.º 2008/8/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.
Estas "novas” regras, entraram em vigor no dia 1 de janeiro de 2015 e apenas se aplicam às situações em que o adquirente dos serviços é um particular ou um não sujeito passivo.
Desta forma, as prestações de serviços que se incluem neste regime especial que respeitam a serviços de telecomunicações, de radiodifusão ou televisão e serviços por via eletrónica descritos no anexo D, quando efetuadas a não sujeitos passivos, passam a ser tributadas no lugar onde o destinatário está estabelecido ou tem o seu domicílio (conforme dispõe a alínea h) dos números 9 e 10 do artigo 6.º do CIVA, aditadas pelo DL 158/2014).
Assim sendo, a partir de janeiro de 2015 os referidos serviços passam a não ser localizados em Portugal quando o adquirente dos serviços é um consumidor final (não sujeito passivo), neste caso com residência num outro Estado membro que não Portugal, sendo a operação localizada no Estado membro do seu domicílio ou de estabelecimento.
A aplicação desta norma implicaria que os prestadores de serviços de telecomunicações, de radiodifusão e televisão e serviços por via eletrónica estivessem obrigados a registar-se em cada um dos Estados membros de residência ou domicílio dos respetivos clientes, não sujeitos passivos do imposto.
De forma a facilitar o cumprimento das obrigações declarativas relativas a tais prestações de serviços foi criado um mecanismo de balcão único - MOSS – "Mini One Stop Shop” (em português Mini Balcão Único), para os operadores comunitários, que permite proceder à entrega da declaração e ao pagamento do respetivo IVA no portal eletrónico da administração tributária do Estado membro da sede ou, na falta de sede, do estabelecimento estável.
Note-se que a implementação das "novas regras” de tributação é obrigatória em todos os Estados membros.
Todavia, a adesão ao MOSS é opcional. Se a opção for exercida, o MOSS é aplicável a todas as operações abrangidas pelo regime especial (i.e. regime da União ou regime extra União).
Assim, nas situações em que o sujeito passivo de IVA português prestar um serviço por via eletrónica, a um particular estabelecido ou domiciliado fora do território nacional, não poderá liquidar IVA português, porque a operação não é tributada neste território – pela alínea h) do n.º 9 do artigo 6.º do CIVA.
De igual modo, pode ser ainda aplicável a alínea d) do n.º 12 do artigo 6.º, quando o adquirente dos serviços seja uma pessoa (particular) estabelecida ou domiciliada fora da União Europeia, e desde que estes serviços sejam aqui localizados (quando tais serviços sejam utilizados ou a sua exploração efetiva ocorra em território nacional).
Assim, para a situação apresentada, se estivermos perante um cliente particular com residência em países fora da comunidade Europeia e recebe a formação on-line (formação á distancia) no local da sua residência, o prestador nacional não liquida IVA e a menção que deverá constar na fatura é: " Operação não tributável" - Norma aplicável: " alínea h) do n.º 9 do artigo 6.º do CIVA".
Se o cliente particular com residência em países fora da comunidade Europeia e recebe a formação on-line (formação á distancia) num local, país diferente do local da sede:
1º Hipótese: Não liquida IVA, caso seja possível determinar o local da formação à distância e, este não ocorra em território nacional. Neste caso a menção que deverá constar na fatura é: " Operação não tributável" - Norma aplicável: " alínea h) do n.º 9 do artigo 6.º do CIVA".
2º Hipótese: Liquida IVA, quando o local da formação à distância ocorra em território nacional, de acordo com a alínea d) do n.º 12 do artigo 6.º do CIVA.
IRC
Em sede de IRC, a tributação, ou não, de rendimentos obtidos noutro espaço fiscal terá de ser aferida junto da legislação desse mesmo espaço fiscal, sendo que o nosso âmbito de resposta se limita à aplicação da legislação portuguesa.
De qualquer forma, no caso em apreço, como existe Convenção entre Portugal e os EUA para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e Prevenir a Evasão Fiscal, poderá avaliar os termos da mesma, já que esta se sobrepõe às regras internas de cada país, resultante de um acordo entre os dois Estados.
Nos termos dos n.ºs 1 e n.º 2 do artigo 7.º da respetiva Convenção verifica-se que:
"1 - Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça ou tenha exercido a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer ou tiver exercido a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.
2 - Com ressalva do disposto no n.º 3, quando uma empresa de um Estado Contratante exercer ou tiver exercido a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados, em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento estável os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e independente que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável e com qualquer outra empresa associada.”
Deste modo, se a entidade portuguesa, exercer a sua atividade apenas em território nacional e acionar a referida Convenção, a tributação dos rendimentos em causa é exclusiva do Estado Português.
A forma de acionar a Convenção depende dos formalismos estabelecidos por cada Estado (em Portugal, tal ocorreria pela entrega ao pagador português do formulário 21-RFI devidamente certificado pelas autoridades do país do beneficiário ou acompanhado por documento emitido pelas autoridades competentes que ateste a residência), pelo que tal terá de ser aferido junto das autoridades americanas, ou até junto do cliente (pagador).
Caso não seja acionada a respetiva Convenção, pelo beneficiário dos rendimentos, poderá existir uma retenção de imposto nos EUA.
Se os rendimentos auferidos forem sujeitos a retenção na fonte no Estado de residência da entidade pagadora, ou seja, nos EUA, não obstante a tributação dos rendimentos no Estado da fonte dos mesmos, o sujeito passivo português é obrigado a declarar a totalidade dos rendimentos obtidos em território nacional (regra da universalidade ou de base mundial).
Face à existência de dupla tributação dos rendimentos, existem mecanismos que pretendem atenuar ou eliminar essa dupla tributação, nomeadamente o artigo 91.º do Código do IRC. Dispõe este artigo que:
"1 - A dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias:
a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção.
2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.”
Contabilisticamente, o imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro, porque configura um custo da empresa, deverá ser registado na contabilidade como tal, numa conta da classe 6 (por exemplo, no âmbito da 681). Ou seja, sempre que se verifique a obtenção de um rendimento no estrangeiro sujeito a tributação no país da fonte, deverá creditar-se a respetiva conta de proveitos, pelo valor bruto do rendimento e, em contrapartida, debitar-se, por um lado, a respetiva conta de gastos, pelo valor do imposto pago no estrangeiro e, por outro lado, uma conta de meios monetários, pelo valor líquido recebido. Fiscalmente e nos termos do artigo 68.º, n.º 2 do CIRC, o imposto retido noutro Estado deve ser acrescido no quadro 07 da declaração modelo 22, para que, depois seja feita a correspondente dedução no campo 353 do quadro 10, conforme o n.º 1 do artigo 91.º do CIRC (a menor das duas importâncias).
Tendo sido efetuada a retenção no outro Estado – EUA, o sujeito passivo português, poderia utilizar o mecanismo previsto no artigo 91.º do Código do IRC – Crédito de imposto por dupla tributação internacional.
Porém, o n.º 2 do artigo 91.º do CIRC refere que, quando existe Convenção para evitar a dupla tributação, a dedução prevista neste preceito não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela Convenção. Isto é, este mecanismo não pode ser utilizado em alternativa à Convenção.
Nesse caso, a única forma do sujeito passivo português evitar a dupla tributação que sofrer, em consequência do rendimento também ter sido tributado nos EUA é solicitar o reembolso nos termos da Convenção, devendo para tal preencher o impresso adequado, que depois de devidamente certificado pelas autoridades fiscais portuguesas deverá ser enviado à Administração Fiscal Americana.
Todo o exposto só será aplicável se, efetivamente, existir a figura da retenção na fonte no Estado do pagador, situação que desconhecemos.
Caso tenha alguma dificuldade em acionar estes procedimentos, aconselhamos a consulta à Direção de Relações Internacionais da Autoridade Tributária.