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Cedência de posição contratual
30 Setembro 2021
Cedência de posição contratual
19-09-2021

O sócio de uma sociedade unipessoal (microentidade) pretende vender a sua quota e adquirir à empresa a viatura que consta no ativo e se encontra em locação financeira. Assumirá perante a locadora a responsabilidade pelas rendas ainda não vencidas. Como tratar esta operação?

Parecer técnico

A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico e fiscal da cedência de posição contratual de um contrato de locação financeira, por parte de uma sociedade.
A cedência de posição contratual num contrato de locação financeira, na perspetiva do cedente (sociedade), terá um tratamento contabilístico/fiscal idêntico ao da alienação de um ativo fixo tangível, ou seja, determinando a ocorrência de mais ou menos-valias contabilísticas e fiscais, sendo o valor de realização igual ao capital em dívida ao locador, caso não ocorra qualquer prestação adicional, ou, ocorrendo, acrescido desta.
Neste caso em concreto, com o desreconhecimento da viatura deverá também ser desreconhecida a rubrica do ativo fixo tangível referente à viatura.
Contabilisticamente, sugerem-se os seguintes movimentos, na esfera da entidade que cede a sua posição no contrato de locação financeira:
Anulação das depreciações acumuladas da viatura:
Débito: 438 - Depreciações acumuladas
Crédito: 43x - Ativo fixo tangível
Abate do custo de aquisição do bem:
Débito: 687 - Gastos e perdas em investimentos não financeiros/ 787 - Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros
Crédito: 43x - Ativo fixo tangível
Pela anulação do valor em dívida à sociedade de leasing:
Débito: 2513 - Locações financeiras
Crédito: 687 - Gastos e perdas em investimentos não financeiros/ 787 - Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros
Pelo valor recebido ou a receber pela cedência:
Débito: 12 - Depósitos à ordem/ 278 - Outros devedores e credores
Crédito: 687 - Gastos e perdas em investimentos não financeiros/ 787 - Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros
Crédito: 2433 - IVA - Liquidado
Em termos de IRC, esta cedência de posição contratual irá traduzir-se numa espécie de alienação do bem que consta das demonstrações financeiras da entidade. Para tal, no cálculo da mais-valia ou menos-valia proveniente desta operação deverá ser considerado como valor de realização o somatório da anulação da dívida à locadora com a quantia referente à cedência de posição contratual.
A fórmula de apurar a mais-valia ou menos-valia contabilística será:
MVc / mvc = VR - [Vaq.(ou Vreav) - DAc/PIac]
Em que:
MVc / mvc - Mais-valia contabilística/menos-valia contabilística
VR - Valor de realização (no caso da cedência de posição contratual importa considerar o somatório do valor em dívida à locadora com o valor da cedência de posição contratual)
Vaq - Valor de aquisição
Vreav - Valor de reavaliação
DAc - Depreciações acumuladas contabilizadas
PIac - Perdas por imparidade acumuladas contabilizadas
Sendo que, para efeitos de cálculo da mais-valia ou menos-valia fiscal importa considerar a aplicação do coeficiente de desvalorização monetária.
Concretamente em relação ao caso exposto, admitimos que quer em termos contabilísticos, quer para efeitos de IRC, no cálculo da mais-valia ou menos-valia seja considerado como valor de realização o somatório do valor da cedência de posição contratual com o valor em dívida à locadora.
Na informação vinculativa Processo 2017 2098 – PIV 12219, sancionado por despacho de 2017-09-29, da diretora de serviços do IRC é referido o seguinte:
«O capital em dívida referente ao contrato de locação financeira, à data da cessão da posição contratual, é o valor pelo qual a cessionária passou a ser responsável na qualidade de locatária, ou seja, o valor de aquisição.
O valor patrimonial tributário (VPT) não é relevante para o efeito.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 46.º do Código do IRC, consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, dos ativos fixos tangíveis, entre outros.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, as mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente.»
Em todo o caso, quer a venda da viatura origine um rédito, quer origine mais-valias ou menos-valias, o valor de aquisição a considerar para o seu apuramento é o montante em dívida constante do contrato de cessão de posição contratual no respetivo contrato de locação financeira.
Para efeitos de IVA, diremos que a cedência da posição contratual num contrato de locação financeira configura a transmissão de um direito e como tal, qualifica-se como prestação de serviços de acordo com o conceito bastante abrangente, face à sua característica de residual, definido no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA. Neste sentido estamos perante uma operação sujeita a imposto nos termos gerais do Código do IVA, conforme entendimento veiculado pelo Despacho de 02-10-95, Proc. L 202 95 002, da DSIVA.
O valor tributável da operação será apurado em conformidade com o disposto no artigo 16.º do Código do IVA. Caso não fosse acordada uma contraprestação, então importaria considerar o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA. O valor normal do bem, tal como referido na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, é definido de acordo com o n.º 4:
«(...) 4 - Para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado, entende-se por valor normal de um bem ou serviço:
a) O preço, aumentado dos elementos referidos no n.º 5, na medida em que nele não estejam incluídos, que um adquirente ou destinatário, no estádio de comercialização em que é efetuada a operação e em condições normais de concorrência, teria de pagar a um fornecedor ou prestador independente, no tempo e lugar em que é efetuada a operação ou no tempo e lugar mais próximos, para obter o bem ou o serviço ou um bem ou serviço similar;
b) Na falta de bem similar, o valor normal não pode ser inferior ao preço de aquisição do bem ou, na sua falta, ao preço de custo, reportados ao momento em que a transmissão de bens se realiza;
c) Na falta de serviço similar, o valor normal não pode ser inferior ao custo suportado pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços (...).»
Na leitura da informação vinculativa Processo n.º 12 051, Despacho de 2017-08-21, pode concluir-se que «(…) o valor tributável é calculado nos termos do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IVA, isto é, o valor tributário corresponde ao valor da contraprestação obtida ou a obter do destinatário dos serviços (…).»
Ou seja, o valor tributável é constituído apenas pelo preço pago pelo cessionário.
Por último, gostaríamos de chamar dar nota que, se o contrato de cessação será celebrado entre a sociedade e um sócio, chamamos à atenção para a possibilidade de existência de relações especiais (vide em particular os números 1 e 4 do artigo 63.º do CIRC).
O n.º 1 do artigo 63.º do CIRC transmite-nos que:
«Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.»
Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, considera-se que existem relações especiais entre duas entidades "nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
«a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital ou dos direitos de voto;
(...).»
Se entre o sócio e a entidade existirem relações especiais nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, os termos e condições do contrato de cessação de posição contratual, nomeadamente montante de cessação deverá ser contratualizado de forma idêntica aos que normalmente seriam contratados por entidades independentes, em operações idênticas.
Considerando o parágrafo anterior, o sócio deverá efetuar o pagamento da fatura emitida pela cessação da posição contratual.