PT25725 – Ativo intangível
18-11-2020
Determinada empresa é proprietária de uma marca desenvolvida internamente. Esta marca é propriedade exclusiva da empresa, é a única fonte de rendimento, mas não está registada no ativo da empresa uma vez que não foi adquirida a terceiros nem existem custos de investigação e desenvolvimento associados à marca.
A empresa desenvolve a sua atividade exclusivamente no mercado externo e incorre em gastos elevados de registo sempre que pretende iniciar a comercialização do produto num novo mercado.
As faturas vêm com a descrição «Pedido de registo da marca no país "x”. Acompanhamento do processo, incluindo honorários do correspondente local para a preparação e apresentação do pedido de marca numa classe, publicação no boletim oficial em dois jornais locais e a taxa efetiva de registo. Certificação da procuração localmente no Ministério dos Negócios Estrangeiros desse país. Despesas bancárias e gastos de comunicação.» Associado a este registo há sempre uma encomenda que pode perdurar no tempo dependendo da aceitação do produto no mercado de destino, da divulgação por parte do cliente do produto e da dinâmica do mercado, sendo que a primeira encomenda está assegurada.
Há países com contratos de distribuição assinados para estes produtos para um período de 10 anos, com renovações automáticas de dois em dois anos. Ou seja, esta marca cujo registo a empresa está a fazer agora, vai gerar rendimento durante pelo menos 10 anos, caso não haja nenhum imprevisto pelo caminho.
Estes gastos de registo associados à marca podem ser contabilizados em intangíveis e depreciados pelo número de anos associados a cada contrato? Devem ser contabilizados na conta 28 – Gastos a reconhecer no ano em que ocorrem, e imputar a cada exercício a fatia correspondente, consoante a duração dos contratos? Ou simplesmente deverão ser considerados como gastos do exercício no ano em que ocorrem?
Na situação em análise a questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico dos dispêndios suportadas por uma entidade pelo registo de uma marca gerada internamente.
O tratamento contabilístico dos ativos intangíveis está previsto na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 6 - Ativos intangíveis, que estabelece os critérios de reconhecimento e de mensuração, bem como as informações a serem divulgadas relativas aos dispêndios associados a este tipo de ativos.
A NCRF 6 estabelece três condições para que um dispêndio possa ser definido como um ativo intangível: identificabilidade, controlo e benefícios económicos futuros.
Um ativo intangível satisfaz a condição de identificabilidade quando este for separável do conjunto da entidade, de modo a que possa ser vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, ou então, quando este resultar de direitos contratuais ou legais separáveis da entidade.
Uma entidade controla um ativo se tiver o poder de obter benefícios económicos futuros relacionados diretamente com esse ativo intangível, e possa restringir o acesso de terceiros a esses benefícios. Normalmente, esse poder advém de direitos legais que a empresa possua sobre esse ativo intangível (por exemplo, copyrights).
Os benefícios económicos futuros relacionados com o ativo intangível podem incluir réditos da venda ou prestações de serviços, poupanças de custos ou outros benefícios resultantes do uso desse ativo pela entidade.
Como critério geral de reconhecimento dos ativos intangíveis, a NCRF 6 estabelece que estes apenas devem ser reconhecidos como tal, quando seja provável que os benefícios económicos futuros relacionados diretamente com esse ativo intangível fluam para a entidade, e quando o custo desse ativo possa ser fiavelmente mensurado.
Em termos de momentos de reconhecimento, bem como de mensuração há que atender às diferentes situações em que se pode estar perante um ativo intangível.
Em relação aos dispêndios com marcas, há que considerar as seguintes situações em que se possa, ou não, estar perante um ativo intangível: aquisição separada (a terceiro), aquisição numa concentração de atividades empresariais (por exemplo, fusão) ou ativos gerados internamente (criada e desenvolvida internamente).
Em termos de conceito, o parágrafo 37 da NCRF 6 estabelece a marca como sendo um termo geral de marketing, tipicamente usado para se referir a um grupo de ativos que se complementam, tais como a marca comercial propriamente dita, fórmulas, receitas e especialização tecnológica, na prática o know-how associado.
Quando uma entidade decide adquirir separadamente (a um terceiro) uma marca, não adquirindo, portanto, o resto do património da empresa, pagando para o efeito um preço estabelecido pelo vendedor por tal recurso intangível, está a prever que esse valor pago irá gerar benefícios económicos futuros para a entidade.
Desta forma, o primeiro critério de reconhecimento de um ativo intangível está sempre cumprido neste tipo de situações, uma vez que a probabilidade de que fluam benefícios económicos futuros para entidade está refletida no custo do ativo intangível, ou seja, no respetivo dispêndio incorrido.
Por outro lado, o custo desse ativo intangível adquirido separadamente da entidade pode ser mensurado com fiabilidade, uma vez que esse custo normalmente está definido em dinheiro ou em outros ativos cedidos, cumprindo, assim, o segundo critério de reconhecimento dos ativos intangíveis.
Em termos de mensuração, o ativo intangível deve ser registado inicialmente pelo seu custo, que inclui o preço de compra líquido de descontos, despesas acessórias (por exemplo, despesas de registo de alteração de propriedade) e outros custos diretos necessários à preparação do ativo para ser usado pela entidade, ficando, de seguida, sujeito a depreciações e a imparidades.
Conclui-se, desta forma, que se a marca for adquirida a uma outra entidade separadamente, ou seja, não seja adquirida em conjunto com o restante património, esta pode ser reconhecida pela entidade adquirente como um ativo intangível, uma vez que os critérios de reconhecimento estão sempre cumpridos.
Quando a aquisição da marca fizer parte de uma concentração de atividades empresariais, há que ter em atenção que, mais uma vez, o custo do ativo reflete a probabilidade dos benefícios económicos futuros desse ativo intangível possam fluir para a entidade, sendo que neste caso, o custo do ativo é dado pelo justo valor desse ativo à data da aquisição, conforme critério estabelecido pela NCRF 14 - Concentrações de atividade empresariais.
O facto de o custo do ativo ser determinado em função do seu justo valor, pode ser determinante para que se cumpra, ou não, o critério de reconhecimento, uma vez que, tratando-se de um ativo intangível relativo a marcas, pode não ser possível estabelecer qualquer justo valor para tal ativo, nomeadamente quando este não esteja separado do restante património e do valor da entidade adquirida.
E, mesmo que a marca seja um ativo separado do restante património, pode não ser possível determinar um justo valor para o ativo intangível, uma vez que dificilmente existe uma base fiável para se estabelecer o valor de uma marca.
O parágrafo 77 da NCRF 6 estabelece que para as marcas, normalmente, não existe um mercado ativo, uma vez que tais ativos são únicos e mesmo as transações que possam existir deste tipo de ativos são relativamente pouco frequentes e efetuadas através de transações particulares entre os intervenientes.
Desta forma, dificilmente se pode estabelecer um justo valor para um ativo intangível deste tipo baseado em transações semelhantes, uma vez que não existe comparabilidade entre uma marca e outra.
Atendendo, a esta dificuldade, normalmente, a marca não constitui um ativo intangível separado (isto é, identificável) numa aquisição através de uma concentração empresarial, devendo fazer parte do goodwill (que contêm os ativos e passivos não identificáveis adquiridos na concentração de atividade empresarial).
Conclui-se, portanto, que se a marca for adquirida a uma outra entidade através de uma concentração de atividades empresariais, ou seja, adquirida em conjunto com o restante património, esta não pode ser registada pela entidade adquirente como um ativo intangível em separado, uma vez que os critérios de reconhecimento podem não estar cumpridos, devendo fazer parte do goodwill.
Na realidade, o critério de probabilidade de que fluam para a empresa benefícios económicos futuros relativos à marca não está cumprido, uma vez que este resulta da reflexão do estabelecimento de um justo valor para essa marca, que já se demonstrou ser de difícil determinação, levando também a mesma dificuldade ao não cumprimento do outro critério, pela inexistência de uma mensuração fiável do custo ativo (neste caso o justo valor).
Da mesma forma, os critérios de reconhecimento para ativos intangíveis gerados internamente são de difícil avaliação, uma vez que não é fácil distinguir um ativo intangível que venha a gerar benefícios económicos futuros de uma forma autónoma em relação aos restantes ativos e custos necessários ao desenvolvimento da empresa.
A mensuração do custo de um ativo intangível também não é fiável, uma vez que não é fácil distinguir os custos incorridos para gerar internamente um ativo intangível, dos custos necessários ao decorrer operacional do dia-a-dia, ou mesmo dos custos para gerar e aumentar internamente o valor de goodwill.
A empresa pode incorrer em custos para melhorar os benefícios económicos futuros da entidade, como por exemplo, o desenvolvimento da marca, mas tal não resulta na criação de um ativo intangível, pois tais dispêndios não satisfazem os critérios de reconhecimento de um ativo intangível.
Na realidade tais dispêndios não são identificáveis, ou seja, não são separáveis da própria entidade, nem resultam de direitos contratuais ou legais, conforme definição de ativo intangível mencionado em cima, pois não geram um ativo que possa ser vendido, licenciado ou trocado.
A própria NCRF 6 estabelece nos parágrafos 62 e 63 que os dispêndios incorridos com marcas geradas internamente, quer sejam dispêndios relativos a recursos internos, como por exemplo os custos de pessoal, ou dispêndios com entidades externas, como por exemplo as despesas com o licenciamento de marcas criadas internamente, não podem ser reconhecidos como ativos intangíveis, devendo ser reconhecidos como gastos do período.
Face a estes critérios de definição e reconhecimento da marca como ativos intangíveis, os respetivos encargos associados ao registo de uma marca desenvolvida pela própria empresa não podem ser reconhecidos como ativos intangíveis, devendo ser reconhecidos como gastos do período (conta 62).
Dessa forma, também não é possível efetuar qualquer revalorização do custo dessa marca para o justo valor.
Neste momento, a NCRF 6, bem como as normas internacionais de contabilidade, não permitem o reconhecimento de marcas geradas internamente.
A venda de uma marca que não estava reconhecida no ativo da entidade não pode ter o tratamento geral de desreconhecimento (Retiradas e alienações) previsto nos parágrafos 111 a 116 da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 6 - Ativos intangíveis (ou 8.23 da NCRF para pequenas entidades), simplesmente porque esse rendimento não ocorre em resultado do desreconhecimento de um ativo.
Esse tratamento de desreconhecimento de um ativo intangível consiste no reconhecimento de um ganho ou de uma perda resultante da diferença entre os proventos líquidos da operação, ou seja, do valor de venda obtido, e a quantia escriturada do ativo, ou seja o custo do ativo deduzido das amortizações e perdas por imparidade acumuladas.
Por outro lado, também não se pode aplicar o tratamento de reconhecimento de rédito (nos termos da NCRF 20 ou do capítulo 12 da NCRF-PE), pela obtenção do rendimento em causa, pois não se está em presença da venda de bens no âmbito da atividade corrente (ordinária) da entidade, da prestação de serviços ou mesmo na obtenção de royalties.
De acordo com a NCRF 20 (ou capítulo 12 da NCRF-PE), a venda de bens no âmbito da atividade corrente (ordinária) da entidade está associada com o reconhecimento do rédito (e dos gastos) referentes à venda de bens classificados como inventários, ou seja, seriam ativos adquiridos ou produzidos pela própria entidade com o objetivo de serem vendidos.
A prestação de serviços habitualmente estará relacionada com o desempenho de uma tarefa num determinado tempo contratada entre a entidade e o cliente, sendo o rédito (e gastos) associado reconhecido com respeito à execução do serviço (fase de acabamento).
O rédito e os gastos associados a estes tipos de situações (vendas de bens e prestações de serviços) são normalmente reconhecidos em simultâneo, conforme o princípio do balanceamento dos réditos com os gastos.
Os royalties estão relacionados com o uso, no longo prazo, de uma marca da entidade pelo seu cliente, sendo o rédito reconhecido segundo o regime do acréscimo ao longo do contrato.
Assim, no caso em concreto, de acordo com os parágrafos 61, 62 e 63 da NCRF 6 os dispêndios com marcas geradas internamente, incluindo os gastos com o seu registo não devem ser registadas como ativo intangível, devendo ser reconhecidos como gastos do período.
Face a estes critérios de definição e reconhecimento da marca como ativo intangíveis, os respetivos encargos associados ao registo de uma marca desenvolvida pela própria empresa não podem ser reconhecidos como ativos intangíveis, devendo ser reconhecidos como gastos do período (conta 62).