PT28476 - IVA / Vendas à distância
Fevereiro de 2025
Determinado sujeito passivo pretende criar uma loja online para a comercialização de acessórios de moda feminina. Irá abrir atividade como trabalhador independente (TI). Pode enquadrar-se no regime especial de isenção, previsto no artigo 53.º do Código do IVA, assumindo que realizará apenas vendas para Portugal? Verificou-se que deve inscrever-se no Balcão Único do IVA e que, em vendas à distância até ao montante de 10 mil euros, deverá faturar com IVA à taxa legal em Portugal. Ao exceder esse valor, caso realize vendas para outros países da União Europeia, terá de aplicar a taxa de IVA do país de destino. Está correto este entendimento? Existem outras particularidades a considerar neste tipo de atividade?
Parecer Técnico
Na situação apresentada, determinado sujeito passivo de IRS, pretende criar uma loja online para a comercialização de acessórios de moda feminina, referindo que as vendas serão realizadas em Portugal e para outros países da União Europeia.
A questão colocada refere-se ao enquadramento fiscal, em sede de IVA, da operação descrita.
Começamos por referir que, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
b) As importações de bens;
c) As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias.
São sujeitos passivos do imposto, as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), conforme refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
Uma transmissão de bens considera-se como a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (n.º 1 do artigo 3.º do CIVA).
Face à exposição feita, vejamos três situações distintas:
Adquirentes particulares nacionais (bens permanecem em Portugal)
Como sabemos, o número 1 do artigo 6.º do CIVA indica que:
"1 - São tributáveis as transmissões de bens que estejam situados no território nacional no momento em que se inicia o transporte ou expedição para o adquirente ou, no caso de não haver expedição ou transporte, no momento em que são postos à disposição do adquirente".
Deste modo, as transmissões de bens que se encontrem em território nacional no momento em que se inicia ou transporte ou expedição, ou, no caso de não haver expedição ou transporte, no momento em que são colocadas à disposição dos seus adquirentes, deverão ser consideradas como operações internas efetuadas em Portugal, sendo, desse modo, localizadas e, consequentemente, tributadas em território nacional, não obstante a aplicabilidade do regime previsto no artigo 53.º do CIVA.
Beneficiam do regime especial de isenção previsto no artigo 53.º do CIVA, "os sujeitos passivos que, não possuindo nem sendo obrigados a possuir contabilidade organizada para efeitos de IRS ou IRC, nem praticando operações de importação, exportação ou atividades conexas, nem exercendo atividade que consista na transmissão dos bens ou prestação dos serviços mencionados no anexo E do presente Código, não tenham atingido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a 15 000 €".
Assim, para que um sujeito passivo possa beneficiar o referido regime tem que cumprir, cumulativamente, com as seguintes condições:
- Não possuir, nem ser obrigado a possuir contabilidade organizada;
- Não praticar operações de importação, exportação ou atividades conexas;
- Não exercer uma atividade prevista no anexo E do CIVA;
- Não ter atingido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a 15 000 €.
Adquirentes particulares intracomunitários (bens são transportados para um EM da UE)
Como sabemos, a 1 de julho de 2021 entraram em vigor as novas regras de comércio eletrónico, resultantes da publicação da Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto, que transpôs para o normativo nacional os artigos 2.º e 3.º da Diretiva (UE) 2017/2455 do Conselho, de 5 de dezembro de 2017, e a Diretiva (UE) 2019/1995 do Conselho, de 21 de novembro de 2019, tendo ocorrido várias alterações ao Código do IVA e ao Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, mas também foi estabelecida legislação complementar relativa a este imposto, no âmbito do tratamento do comércio eletrónico (comummente chamado como o "pacote IVA do comércio eletrónico").
Ora, o anexo I deste diploma prevê novos:
"Regimes especiais do imposto sobre o valor acrescentado aplicáveis aos sujeitos passivos que prestem serviços a pessoas que não sejam sujeitos passivos, efetuem vendas à distância e determinadas transmissões internas de bens".
Mais concretamente, estão previstos três regimes especiais:
1) Regime especial aplicável às vendas à distância intracomunitárias de bens, às transmissões de bens num EM efetuadas por interfaces eletrónicas e aos serviços prestados por sujeitos passivos estabelecidos na UE, mas não no EM de consumo;
2) Regime especial aplicável a serviços prestados por sujeitos passivos não estabelecidos na União Europeia; e
3) Regime especial aplicável às vendas à distância de bens importados.
Face à questão, iremos apenas abordar o regime destacado a negrito.
Sobre esta temática, salientamos a existência do Ofício-Circulado n.º 30238/2021, de 25 de junho.
Feitas estas notas introdutórias, refira-se o seguinte:
Tal como referido anteriormente, estabelece o número 1 do artigo 6.º do CIVA, que, regra geral:
"1 - São tributáveis as transmissões de bens que estejam situados no território nacional no momento em que se inicia o transporte ou expedição para o adquirente ou, no caso de não haver expedição ou transporte, no momento em que são postos à disposição do adquirente".
Todavia, prevê a alínea a) do artigo 10.º do RITI uma derrogação a esta regra geral, sendo estabelecido que:
"Não obstante o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do Código do IVA, não são tributáveis:
a) As vendas à distância intracomunitárias de bens quando o lugar de chegada da expedição ou transporte dos bens com destino ao adquirente se situe fora do território nacional".
Nesta sequência e complementando este enquadramento, a alínea a) do artigo 11.º do RITI refere que:
"São tributáveis:
a) As vendas à distância intracomunitárias de bens quando o lugar de chegada da expedição ou transporte dos bens com destino ao adquirente se situe em território nacional".
Concluímos, neste sentido, que, em circunstâncias normais, as vendas à distância intracomunitárias de bens são tributadas no local onde termina a expedição ou transporte, ou seja, no local de consumo dos bens (princípio de tributação no destino).
Neste âmbito e em termos conceituais, estabelece a alínea q) do número 2 do artigo 1.º do CIVA que:
"2 - Para efeitos das disposições relativas ao IVA, entende-se por:
(...)
q) 'Vendas à distância intracomunitárias de bens', as transmissões de bens expedidos ou transportados pelo fornecedor ou por conta deste, inclusive quando o fornecedor intervenha indiretamente no transporte ou na expedição dos bens, a partir de um Estado-membro que não seja o Estado-membro de chegada da expedição ou transporte com destino ao adquirente, quando se verifiquem, simultaneamente, as seguintes condições:
i) O adquirente não se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias no Estado-membro de chegada da expedição ou transporte dos bens, ou seja, um particular;
ii) Os bens não sejam meios de transporte novos nem bens a instalar ou montar".
Assim, estando em causa transmissões de bens, só poderão as mesmas ser consideradas como "vendas à distância intracomunitárias de bens" caso não sejam objeto de instalação ou montagem.
Deste conceito de "vendas à distância intracomunitárias de bens" ficam, igualmente, excluídas as transmissões de bens cujo transporte não fique a cargo do vendedor, ou de terceiro por conta deste, pelo que, embora não seja fornecida qualquer informação neste âmbito, caso alguns dos bens sejam levantadas nas instalações do sujeito passivo pelos clientes, encontrar-se-ão tais operações sujeitas a IVA à taxa normal em vigor no território nacional, devido à regra de localização atrás explanada.
Sem prejuízo do exposto anteriormente, salientamos que a entrada em vigor da Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto, procedeu, igualmente, a alterações ao artigo 6.º-A do CIVA, tendo ficado estabelecido que:
"1 - Não obstante o disposto (...) na alínea a) do artigo 10.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, (...) as vendas à distância intracomunitárias de bens aí referidas, são tributáveis, respetivamente, nos termos (...) do n.º 1, ambos do artigo anterior, quando estejam reunidas as seguintes condições:
a) O (...) transmitente tenha sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio em território nacional e não esteja sediado, estabelecido ou domiciliado noutro Estado-membro;
b) (...) os bens sejam expedidos ou transportados para outros Estados-membros; e
c) O valor total, líquido do IVA, das operações referidas na alínea anterior não seja superior, no ano civil anterior ou no ano civil em curso, a 10 000 €".
Ou seja, quer isto dizer que, pese embora o disposto na alínea a) do artigo 10.º do RITI, as vendas à distância intracomunitárias de bens efetuadas serão tributadas em território nacional se, cumulativamente:
1) O transmitente desses bens tiver sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, domicílio em Portugal e em mais nenhum país da União Europeia;
2) Os adquirentes desses bens forem particulares domiciliados num outro Estado-membro;
3) O valor desses bens, líquido de IVA, no ano civil em curso ou no anterior, não for superior a 10 000 euros.
Na eventualidade de o montante dos 10 000 € (limite global para os restantes 26 Estados-membros) ser ultrapassado, terá o sujeito passivo de se registar nos territórios para onde expede ou transporta as mercadorias, de modo a entregar o imposto que seja devido às taxas em vigor nestes territórios, conforme resulta da alínea a) do artigo 10.º do RITI.
Ora, é neste âmbito que poderá aplicar-se o regime do Balcão Único (OSS), mais concretamente o Regime da União (onde se inclui, como referido, o novo regime das vendas à distância intracomunitárias de bens), que estabelece a possibilidade - cujo objetivo é, entre outros, simplificar o processo de declaração e pagamento do IVA - de, ao invés de o sujeito passivo se inscrever em vários Estados-membros, bastará inscrever-se no OSS e, no país de identificação (neste caso, Portugal), proceder à entrega de uma Declaração Periódica OSS específica para o efeito, entregando o IVA liquidado à taxa em vigor nos Estados-membros para o qual expediu as suas mercadorias.
Assim, desde que cumpridos os requisitos mencionados anteriormente, poderá o sujeito passivo em causa, de facto, optar pelo OSS relativamente às vendas à distância intracomunitárias dos bens, desde que estas transmissões cumpram a definição de vendas à distância intracomunitárias - neste caso, tal como referido, deverá o sujeito passivo cobrar IVA aos clientes à taxa em vigor nos seus Estados-membros.
Frisamos que este regime apenas se poderá aplicar, como vimos, nas situações em que o adquirente seja um particular (independentemente da nacionalidade) e os bens (que não poderão ser sujeitos a instalação ou montagem) sejam transportados para outros Estados-membros da União Europeia.
Recomendamos, ainda, a análise do Ofício-Circulado n.º 30240/2021, de 25 de junho.
Poderá consultar, ainda, as notas explicativas emitidas pela Comissão Europeia sobre esta matéria, através da seguinte ligação.
Relembramos, todavia, que a adesão ao OSS em circunstância alguma reveste caráter obrigatório, sendo sempre uma opção que o sujeito passivo poderá, ou não, exercer.
Reconhecemos, inclusive, que, em certos casos, poderá ser, de facto, mais vantajoso para o sujeito passivo a não inscrição no OSS, pelo que deverá tal análise, deste modo, ser feita casuisticamente.
Todavia, chamamos a atenção de que, caso o sujeito passivo ultrapasse o limite dos 10 mil euros de vendas à distância intracomunitárias de bens e não opte pelo OSS, terá, como referido anteriormente, de se registar para efeitos de IVA nos países para os quais expedir ou transportar os bens, o que, inevitavelmente, implicará encargos acrescidos para o sujeito passivo.
Por fim, refira-se apenas que, em matéria de faturação, tal como resulta do número 5 do artigo 35.º-A do CIVA:
"5 - Não obstante o disposto no n.º 1, a emissão de fatura pelas operações efetuadas por sujeitos passivos que utilizem Portugal como Estado-membro de identificação para efeitos dos regimes especiais do IVA, aprovados pela Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto, está sujeita às regras estabelecidas no presente Código".
Adquirentes sediados ou domiciliados em países terceiros (bens são transportados para fora da Comunidade)
Tal como referido anteriormente, nos termos do número 1 do artigo 6.º do CIVA, deverão considerar-se localizada e, desse modo, tributadas em território nacional, as vendas de bens que se encontrem em Portugal no início do seu transporte.
O que significa que as vendas para países terceiros de bens que se encontrem em Portugal no início do seu transporte, configuram, deste modo, operações sujeitas a IVA em território nacional.
Sem prejuízo do exposto, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 14.º do CIVA:
"1 - Estão isentas do imposto:
a) As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste".
Esta regra de isenção implica que terá de ser a entidade vendedora dos bens a colocá-los para exportação, na respetiva alfândega, ou um terceiro por sua conta (por conta da empresa vendedora, como, por exemplo, um despachante), ou, ainda, a transportar esses bens diretamente para o cliente do país terceiro, ou, então, através de um terceiro por sua conta (transportador), quando não existir obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros.
A este respeito sugerimos, ainda, a leitura da Circular n.º 8/2015, de 27 de julho.
Assim, uma vez que os bens irão ser expedidos de Portugal para países terceiros, independentemente de o adquirente ser um sujeito passivo ou um particular, poderá ser aplicada, de modo geral, a isenção da alínea a) do número 1 do artigo 14.º do CIVA (exportações), sem prejuízo das obrigações declarativas constantes dos números 8 e 9 do artigo 29.º do CIVA, sendo necessário obter um documento de exportação emitido pela alfândega.
De referir que, caso o sujeito passivo realize este tipo de operações (exportações), e nos termos anteriormente explanados, não poderá o sujeito passivo permanecer enquadrado no regime especial de isenção do artigo 53.º do CIVA.
Por fim, importa notar que, caso o sujeito passivo, na declaração de início de atividade, não se tenha registado para as operações, no quadro 09 "Dados relativos à atividade esperada" para enquadramento para efeito de IVA de "Importação", "Exportação", "Aquisições Intracomunitárias", "Transmissões Intracomunitárias" e em resultado do enquadramento das operações agora realizadas, se concluir que os mesmos devem estar preenchidos, deve entregar uma declaração de alterações para poder ter o NIF válido na VIES e para poder ter o cadastro atualizado (veja-se os artigos 31.º e 32.º do CIVA).