IRS - herança indivisa
PT28540 – abril de 2025
Um empresário em nome individual (ENI) com contabilidade organizada estava a tratar para fechar a atividade como ENI e passar a exercer a atividade numa sociedade, utilizando a situação prevista no artigo 28.º do CSC. Estava só a aguardar o parecer do revisor oficial de contas.
Entretanto, o ENI faleceu inesperadamente e a família pretende saber se pode dar seguimento ao processo que estava a tratar ou se tem de transformar a atividade em herança indivisa e só depois é que podem completar o processo de constituir sociedade com os bens da herança e usufruir do artigo 28.º do CSC.
Não há a pretensão da partilha da herança.
Parecer técnico
O pedido de parecer prende-se com o enquadramento fiscal relativamente ao falecimento de um empresário em nome individual (ENI).
Em termos legais e fiscais, há que proceder à entrega de declaração de alterações com vista à mudança de NIF do falecido para o NIPC da herança.
O artigo 38.º, n.º 1, do Código do IRS estabelece que não há lugar ao apuramento de qualquer resultado tributável por virtude da realização de capital social resultante da transmissão da totalidade do património afeto ao exercício de uma atividade empresarial e profissional por uma pessoa singular, desde que, cumulativamente, sejam observadas as seguintes condições:
- A entidade para a qual é transmitido o património seja uma sociedade com sede e direção efetiva em território português ou, sendo residente noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, o património transmitido seja afeto a um estabelecimento estável situado em território português dessa mesma sociedade e concorra para a determinação do lucro tributável imputável a esse estabelecimento estável;
- A pessoa singular transmitente fique a deter pelo menos 50 por cento do capital da sociedade e a atividade exercida por esta seja substancialmente idêntica à que era exercida a título individual;
- Os elementos ativos e passivos objeto da transmissão sejam tidos em conta para efeitos desta com os mesmos valores por que estavam registados na contabilidade ou nos livros de escrita da pessoa singular, ou seja, os que resultam da aplicação das disposições do presente Código ou de reavaliações feitas ao abrigo de legislação de carácter fiscal;
- As partes de capital recebidas em contrapartida da transmissão sejam valorizadas, para efeito de tributação dos ganhos ou perdas relativos à sua ulterior transmissão, pelo valor líquido correspondente aos elementos do ativo e do passivo transferidos, valorizados nos termos da alínea anterior;
- A sociedade referida na alínea a) se comprometa, através de declaração, a respeitar o disposto no artigo 86.º do Código do IRC, a qual deve ser junta à declaração periódica de rendimentos da pessoa singular relativa ao exercício da transmissão.
Esta norma não é aplicável aos casos em que façam parte do património transmitido bens em relação aos quais tenha havido diferimento de tributação dos respetivos ganhos, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 10.º.
Os ganhos resultantes da transmissão onerosa, qualquer que seja o seu título, das partes de capital recebidas em contrapartida da transmissão referida no n.º 1 são qualificados, antes de decorridos cinco anos a contar da data desta, como rendimentos empresariais e profissionais, e considerados como rendimentos líquidos da categoria B.
Feita a enumeração da norma da neutralidade fiscal, a redação da norma é suficiente esclarecedora quando refere a «pessoa singular transmitente.»
Ora, embora uma herança indivisa no âmbito da continuação da exploração de uma atividade comercial resultante do falecimento de um empresário em nome individual (ou do cônjuge do empresário em nome individual), gere rendimentos tributados em IRS, não estamos perante uma pessoa singular, mas perante um conjunto de pessoas que herdaram o património afeto aquela atividade que optaram pela continuação da exploração do negócio, mas que terá de ser partilhado no futuro.
Face ao explicado, o regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 38.º do CIRS não se pode aplicar às heranças indivisas. É este também o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que foi veiculado através da informação vinculativa - Ficha doutrinária relativa ao processo 5 487/2007, da DSIRS, com despacho concordante do substituto legal do diretor-geral, datado de 14/10/2010.
Síntese dos principais aspetos a ter em conta nas heranças indivisas
A herança indivisa é regulada pelo Código Civil, não podendo renunciar-se ao direito de partilhar. Contudo, pode convencionar-se não exercer o direito à partilha por certo prazo, que não exceda cinco anos, nos termos do artigo 2101.º do Código Civil, ou renovar esse prazo uma ou mais vezes, desde que haja acordo (convenção) entre os herdeiros.
Nos termos do artigo 19.º do Código do IRS, os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas são imputados, a estas, na proporção das respetivas quotas, que se presumem iguais quando indeterminadas.
Incluem-se neste preceito, as situações de contitularidade, onde se incluem as heranças indivisas, ou seja, aquelas que tenham sido aceites mas ainda não tenham sido partilhadas (herança aberta, aceite e ainda não partilhada). Deste modo, uma herança indivisa tem o tratamento fiscal em sede de IRS, uma vez que os rendimentos produzidos pela mesma são tributados na esfera dos seus contitulares/herdeiros.
Assim, tratando-se de rendimentos da categoria B, cada contitular englobará a parte do lucro/prejuízo tributável que lhe couber, na proporção das respetivas quotas hereditárias, observando-se os seguintes procedimentos:
- O englobamento efetua-se mediante a apresentação do anexo respetivo (anexo D), em conjunto com a declaração modelo 3;
- Incumbe ao contitular a quem pertencer a administração da herança indivisa apresentar na sua declaração de rendimentos a totalidade dos elementos contabilísticos exigidos para determinação do rendimento líquido da categoria B, nela identificando os restantes contitulares e a parte que lhes coube.
Este procedimento é efetuado mediante apresentação de anexos próprios, em função de o estabelecimento estar enquadrado no regime simplificado (anexo B) ou no regime normal de tributação (anexo C), o qual evidenciará os elementos necessários para a determinação do rendimento líquido e de um outro anexo (anexo I), onde serão identificados todos os contitulares e será feita a imputação, não apenas do rendimento, mas também dos montantes dedutíveis (nomeadamente por retenções na fonte) a que tenham direito (artigo 57.º, n.º 3)-
Tratando-se de rendimentos das restantes categorias, por exemplo, rendimentos prediais (categoria F) e mais-valias (categoria G), cada contitular englobará os rendimentos ilíquidos e as deduções legalmente permitidas, na proporção das respetivas quotas hereditárias [artigo 22.º n.º 2 alínea b)].
Havendo rendimentos empresariais, como é o caso exposto, deverá o cabeça-de-casal ou administrador da herança indivisa, apurar o rendimento líquido total da atividade empresarial no anexo C, uma vez que se refere que a herança esta enquadrada no regime da contabilidade.
No anexo I, imputará a cada um dos herdeiros o lucro ou prejuízo a que tem direito em função do seu quinhão.
No quadro 8 do anexo I aquele rendimento é dividido em dois períodos, até à data do óbito e após essa data. Ainda neste quadro 8 do anexo I, o rendimento correspondente ao período até à data do óbito é imputado ao falecido, competindo ao cabeça-de-casal a sua declaração para efeito de tributação, e o rendimento correspondente ao período posterior ao óbito (se existir), é imputado aos herdeiros, em função da sua quota hereditária, que por sua vez o devem declarar no anexo D da sua declaração modelo 3.
Cada um dos herdeiros deverá preencher o anexo D onde incluirá os rendimentos imputados, positivos ou negativos, de acordo com o seu quinhão hereditário.
Havendo cônjuge sobrevivo, no ano em que ocorreu o óbito, o cônjuge sobrevivo, deverá declarar, no anexo D, os rendimentos e deduções que lhe foram imputados conjuntamente com os auferidos pelo cônjuge falecido, caso opte pela tributação conjunta.
Tratando-se de rendimentos gerados por herança indivisa integráveis noutras categorias, designadamente rendimentos prediais, de capitais ou mais-valias, cada contitular declarará a sua quota-parte dos rendimentos ilíquidos e deduções, incluindo as que respeitem a retenções na fonte, a que haja lugar, no anexo respetivo (por exemplo, anexo F) sem necessidade do cabeça de casal ou administrador contitular declarar a respetiva totalidade.
No caso de herança indivisa, não há lugar à cessação de atividade do falecido empresário em nome individual e consequente início de atividade por parte dos herdeiros que, em conjunto, continuam a atividade anteriormente desenvolvida pelo falecido (herança indivisa).
No entanto, face à atribuição de número fiscal, por parte da administração fiscal, à referida herança (gama 7XXX), haverá lugar à entrega de uma declaração de alterações, onde se indicará, para além da mudança do número de identificação fiscal, o novo tipo de sujeito passivo.
Não o tendo sido feito, deve agora ser efetuada a entrega da declaração de alterações. A eventual cessão para efeitos de IVA da herança indivisa já deve ser efetuada pelo NIF da herança indivisa. Em bom rigor, as declarações periódicas após o óbito submetidas com o NIF do falecido devem ser substituídas por declarações com o NIF da herança indivisa. É nosso entendimento que todas as declarações fiscais submetidas indevidamente com o NIF do ENI falecido devem ser substituídas. Contudo, recomendamos que seja solicitada orientação à Autoridade Tributária.
Esta declaração não terá tratamento imediato por parte dos serviços de finanças, uma vez que o programa de Registo de Cadastro de Contribuintes não está devidamente preparado para esta situação. No entanto, deverá o serviço de finanças receber em papel a declaração de alterações e remetê-la para a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, para que deste modo possa ser efetuada a respetiva interligação entre o NIF do falecido e o NIPC da herança, para efeitos de apuramento de conta corrente de IVA.
Com este procedimento cumprido, o sistema da AT fará a interligação entre os dois NIF (NIF do falecido e NIPC da herança) pelo que os valores a crédito apurados no NIF do falecido serão "transferidos" e considerados no NIPC da herança, uma vez que o crédito apurado, que poderá originar pedido de reembolso, pertence aos membros da herança/herdeiros.
Este procedimento foi divulgado pela Autoridade Tributária, através do Ofício-Circulado n.º 90 016 de 2010-06-23.
No quadro seguinte, poder-se-ão observar as obrigações declarativas das heranças indivisas, quando o falecido era titular de rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas:
Óbito do titular dos rendimentos comerciais:
Obrigações relativamente ao cadastro
Falecido representado pelo administrador da herança |
Entrega de declaração de alterações com vista à mudança de NIF do falecido para o NIPC da herança. |
Herança indivisa |
A obtenção do NIPC para a herança indivisa é feita junto de um Serviço de Finanças previamente à entrega da declaração de alterações mencionada no quadro anterior. |
Obrigações relativamente ao IVA
Falecido representado pelo administrador da herança |
Entrega da declaração periódica, para o último período de imposto (data anterior ao óbito, ou seja, data anterior ao início de atividade da herança indivisa). |
Herança indivisa |
Passa a entregar as declarações periódicas, para os períodos de imposto seguintes à data do óbito/data início da herança indivisa. |
Obrigações relativamente ao IR
Falecido representado pelo administrador da herança |
O administrador da herança deverá cumprir as obrigações declarativas do falecido (os rendimentos comerciais, relativos ao período em que era vivo, serão imputados no anexo D) e ainda;
Efetuar a entrega da sua declaração Modelo 3, com o anexo C em nome da herança, relativamente à totalidade dos rendimentos obtidos durante o ano, acompanhado do anexo I e D. |
Herança indivisa |
Cada herdeiro entregará, com a sua modelo 3, anexo D, relativamente à sua quota-parte dos rendimentos obtidos pela herança (a partir da data do óbito). |
Em termos contabilísticos, os procedimentos a seguir, relativamente às heranças indivisas, não têm nenhuma particularidade, são idênticas às utilizadas para os restantes contribuintes integrados no regime de contabilidade. As "particularidades" são meramente declarativas, conforme pode verificar-se pelo supra exposto.