Restituição do IVA
PT28456 - janeiro de 2025
Determinada instituição particular de solidariedade social (IPSS) encontra-se enquadrada no regime normal de IVA, misto com afetação real de todos os bens. Atualmente tem várias obras a decorrer e recebe faturas com IVA autoliquidado.
Em algumas dessas faturas o IVA é liquidado a seis por cento, uma vez que o imóvel se localiza numa zona de reabilitação urbana. Este facto origina constantemente divergências nas declarações de IVA, o que atrasa a validação das declarações, uma vez que os serviços referem que o campo 102 por norma é sujeito a IVA à taxa de 23 por cento.
Existe alguma forma de antecipadamente passar informação aos serviços de que em determinada declaração foi liquidado IVA a seis por cento, de forma a evitar as divergências?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal, da possibilidade de restituição do IVA, por parte de uma IPSS.
A este respeito, no que ao enquadramento de IVA se refere, começamos por referir que em sede de IVA, as operações isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA), denominadas simples ou incompletas, caracterizam-se pela não liquidação de imposto nas transmissões de bens ou prestações de serviços e por outro lado na impossibilidade de dedução do imposto suportado nos bens e serviços adquiridos para a sua realização.
Se entidade exercer simultaneamente atividades sem direito à dedução e com direito à dedução, para efeitos do direito à dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços que sejam utilizados em ambas as atividades (não sendo afetos a uma atividade em particular), tem de se obedecer às disposições do artigo 23.º do CIVA.
Nos termos do artigo 23.º do CIVA, o IVA suportado diretamente imputável às atividades isentas sem direito à dedução não poderá ser deduzido. O IVA suportado que seja diretamente imputável à atividade tributada (incluindo à taxa zero) com direito à dedução pode ser deduzido integralmente (100 por cento), desde que cumpridos os restantes formalismos do artigo 19.º e seguintes do CIVA.
Quando a entidade suporte IVA em aquisições de bens e serviços utilizados na realização de ambas as atividades (tributada e isenta), esse IVA pode ser deduzido pelo método do pro rata, nos termos da alínea b) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, ou em alternativa pelo método da afetação real (critérios objetivos de grau de utilização desses bens e serviços), previsto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA.
O IVA suportado na aquisição de bens e/ou serviços adquiridos para a realização em comum das atividades isentas e tributadas, nomeadamente em bens e serviços de caráter administrativo, deve ser deduzido através de percentagem determinada através de critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, ou através de percentagem de pro rata.
No que se refere em concreto aos trabalhos de construção civil realizados por empreiteiros e subempreiteiros, a liquidação do IVA passou a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços, quando estes se configurem como sujeitos passivos de IVA ou mistos, conforme as alterações que foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro ao CIVA (de aplicação obrigatória).
Neste âmbito, determina a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, o seguinte:
«1 - São sujeitos passivos do imposto: (...)
j) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.»
De acordo com a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA e conforme esclarecem os próprios Serviços do IVA no ponto 1.2. do ofício-circulado n.º 30 101 (ofício que emitiu esclarecimentos sobre a aplicação da regra da inversão), para que se aplique a regra da inversão do sujeito passivo, é necessário que cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições:
- Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil; e
- O adquirente seja sujeito passivo de imposto em território nacional e pratique operações que confiram total ou parcialmente, o direito à dedução (inclui os sujeitos passivos mistos).
Note-se que a aplicação das regras da inversão às prestações de serviços de construção civil não depende do código CAE nem da existência de alvará, mas sim dos serviços em causa se enquadrarem como serviços de construção civil e de o adquirente dos mesmos ser um sujeito passivo com direito à dedução total ou parcial do imposto.
A este respeito, esclarece o referido Ofício-Circulado n.º 30 101 no ponto 1.6 «Qualificação do sujeito passivo adquirente» que:
«1.6.1 Só há lugar à regra de inversão quando o adquirente é um sujeito passivo sediado em Portugal, ou que aqui tenha estabelecimento estável ou domicílio e que pratique operações que conferem total ou parcialmente o direito à dedução.
1.6.2. Não há lugar à inversão, cabendo ao prestador de serviços liquidar o IVA que se mostre devido, quando o adquirente é: (...)
b) Sujeito passivo que pratica exclusivamente operações isentas que não se encontram previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA (vulgo sujeitos passivos abrangidos pelo artigo 9.º ou pelo artigo 53.º do Código) considerando-se, como tais, os que constem, nessa situação, no registo informático da DGCI, incluindo aqueles que se encontram com enquadramento pendente por força do n.º 4 do artigo 28.º do CIVA; (...)
1.6.3 No caso de adquirentes sujeitos passivos mistos, isto é, os que pratiquem operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito e, independentemente do método utilizado para o exercício do direito à dedução (afetação real ou pro rata), há lugar à inversão do sujeito passivo. (...)» (itálicos nossos).
Face ao exposto, está a IPSS em causa enquadrada como sujeito passivo misto de IVA, na medida em que esta entidade pratica operações isentas nos termos do artigo 9.º do CIVA, tendo ainda sido aplicada a regra de inversão do sujeito passivo, na aquisição de serviços de construção civil.
Perante a aquisição dos serviços de construção civil, se a mesma for afeta à atividade isenta (prevista no artigo 9.º do CIVA), a entidade não poderá deduzir o imposto.
Por outro lado, caso se trate de aquisição de serviços de construção civil a serem usados exclusivamente na atividade que confere o direito à dedução, todo o valor do IVA pode ser deduzido.
Caso os serviços adquiridos sejam de utilização mista (atividades que não conferem direito à dedução e atividades que conferem tal direito) ficarão sujeitos à disciplina do artigo 23.º do CIVA, devendo utilizar para o cálculo do imposto dedutível dos bens ou serviços de utilização mista o método da afetação real ou percentagem de dedução, método pro rata, sugerindo sobre esta matéria, a leitura do Ofício-Circulado n.º 30103/2008, de 23 de abril.
Face ao exposto, e relativamente ao IVA, estando perante trabalhos de construção civil, sendo o adquirente da prestação de serviços um sujeito passivo com direito à dedução total ou parcial, será aplicável a regra da inversão do IVA pelo prestador.
Ou seja, será o adquirente do serviço de construção civil em questão se sujeito passivo de IVA do regime normal ou misto que terá de entregar o IVA da operação, devendo o fornecedor fazer a menção expressa no documento a emitir «IVA autoliquidação», sem indicar o valor do imposto.
Contabilisticamente, o adquirente do serviço movimentará a subconta apropriada da conta 2433 - «IVA – Liquidado», aquando da aquisição. Tendo direito à dedução desse imposto suportado também irá fazer refletir em subconta da conta 2432 - «IVA – dedutível», o imposto que irá poder deduzir (se for o caso).
Importa referir que, se estivermos perante um sujeito passivo misto, a contabilização do imposto a entregar ao Estado afetará uma conta 2433 - IVA liquidado, por contrapartida da conta onde deva ser refletido o custo do serviço adquirido, quando o imposto não possa ser deduzido (ou respetiva conta de restituição do IVA, se aplicável).
Na declaração periódica de IVA, registará as operações e IVA liquidado nos campos 3 e 4 (se a taxa a aplicar for a taxa normal) ou nos campos 1 e 2 (taxa reduzida) e indicará, nos campos 20 a 24, o IVA que for dedutível (se for o caso), e no campo 102 do quadro 06-A a base tributável.
Neste sentido, entendemos que o procedimento que está a ser seguido está conforme os procedimentos definidos, não tendo conhecimento de uma forma de transmitir a informação da taxa, antecipadamente, aos serviços.
Não obstante, por forma a aferir essa possibilidade, aconselhamos a consulta dos serviços da AT, nomeadamente pela exposição da situação via e-balcão.